São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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JUSTIÇA

Marco Aurélio, do STF, diz que não dá para manter alguém preso sem condenação; morosidade gera sentimento de impunidade

Suzane tinha de ser libertada, diz ministro

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, o caso da estudante Suzane von Richthofen deveria ter sido julgado em seis meses. Passados quase três anos do crime, do qual ela confessou participação, não há nem data para a audiência no Tribunal do Júri.
Nesta semana, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou que a estudante espere o julgamento em liberdade. O tribunal considerou insuficientes os argumentos para que a acusada ficasse presa até a sentença.
A estudante estava presa, segundo decisão da Justiça paulista, para facilitar as investigações, garantir a ordem pública e assegurar sua integridade física.
Suzane é cúmplice da morte dos pais, Manfred e Marísia von Richthofen. A estudante admitiu à época do crime que abriu a porta da casa em que morava com a família, no Brooklin (zona sul de São Paulo), facilitando a entrada de seu então namorado, Daniel Cravinhos, e do irmão dele, Cristian, que cometeram a ação. O casal foi morto a golpes de barra de ferro.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida anteontem por Mello, 58, por telefone, em que ele comenta o caso de Suzane e a morosidade da Justiça.
 

Folha - Como o senhor avalia o fato de o crime envolvendo Suzane von Richthofen ter ocorrido em 2002 e até hoje não haver data para o julgamento?
Marco Aurélio Mello -
Temos de buscar as causas da lentidão. Não conheço a situação concreta desse Tribunal do Júri, mas os órgãos estão sobrecarregados. Um crime como esse, em que os aspectos afloraram, era para ter sido julgado em seis meses. Mas, com a avalanche de processos, fica impraticável. Isso gera um sentimento de impunidade, o que é ruim.

Folha - Então a impressão que parte da população tem de lentidão na Justiça é correta?
Mello -
Todos temos essa impressão. Quando veio a notícia, a minha mulher [Sandra de Santis], que já foi presidente do Tribunal do Júri, disse: "Como? Ainda não julgaram?" Devido à lentidão, uma pessoa pode ficar presa preventivamente cumprindo uma pena que ainda não foi imposta.

Folha - O habeas corpus para a Suzane foi acertado?
Mello -
Não sei bem qual foi a fundamentação da decisão do colegiado. De qualquer forma, ela teria de ser libertada. A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é subscritor, e a emenda [constitucional] 45 prevêem que todo acusado tem direito de ter um julgamento em um período razoável. Não dá para manter o sujeito preso sem uma sentença condenatória, por maiores que sejam os indícios, até mesmo com a confissão.

Folha - O que fazer para acabar com essa demora nos processos?
Mello -
Precisamos dotar o Judiciário de meios para exercer a atividade. Depois, é preciso um aperfeiçoamento nos códigos dos processos para se ter celeridade e economia processuais, sem prejuízo da defesa.

Folha - O que deve mudar?
Mello -
O próprio processo penal pode ser aperfeiçoado. Mas é preciso vontade política para realmente fazê-lo. Fez-se agora a reforma do Judiciário, via alteração de um documento que deveria ser perene, que é a Constituição. Quando votei, disse que era uma esperança vã que se dava à sociedade quanto à diminuição do tempo do processo. A agilidade passa muito mais pela alteração da operação dos códigos do que pela Constituição.

Folha - Quais procedimentos deveriam ser alterados?
Mello -
No Brasil, acredita-se que teremos melhores dias editando leis. Precisamos, sim, de uma mudança cultural quanto à observância ao direito posto [a legislação já em vigor].

Folha - Em vez de leis, o que é necessário?
Mello -
As leis são importantes, o aprimoramento é constante, mas não com essa fúria legislativa. A Constituição Federal é de 1988 e já temos mais de 50 emendas. Alguma coisa está errada. Todo governo que chega tem seu plano milagroso. E aí ocorre a reforma da Constituição. Houve reforma da Previdência Social há pouco. Os problemas estão solucionados nesse setor? Não.

Folha - No caso da Suzane, ela é rica e foi solta. Os irmãos Cravinhos, menos favorecidos financeiramente, estão presos. Isso não faz com que a população acredite que o dinheiro influencia nas decisões?
Mello -
Sim, e essa leitura é péssima. Eles talvez não tenham condições de contratar um bom advogado. Mas a Constituição prevê que o Estado tem a obrigação de assistir os que não têm condições. A assistência oferecida pelo Estado é precária. Basta considerar que só agora se movimentam para começar a estruturar a Defensoria Pública. Hoje a assistência é prestada por um segmento da Procuradoria do Estado e por advogados free-lancers. Com a defensoria, se prestaria uma defesa isonômica, pouco importando a posse do acusado. O Estado precisa rever seu papel, tem de se dedicar aos serviços que são públicos.


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