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JUSTIÇA
Marco Aurélio, do STF, diz que não dá para manter alguém preso sem condenação; morosidade gera sentimento de impunidade
Suzane tinha de ser libertada, diz ministro
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, o caso da estudante
Suzane von Richthofen deveria
ter sido julgado em seis meses.
Passados quase três anos do crime, do qual ela confessou participação, não há nem data para a audiência no Tribunal do Júri.
Nesta semana, o STJ (Superior
Tribunal de Justiça) determinou
que a estudante espere o julgamento em liberdade. O tribunal
considerou insuficientes os argumentos para que a acusada ficasse
presa até a sentença.
A estudante estava presa, segundo decisão da Justiça paulista,
para facilitar as investigações, garantir a ordem pública e assegurar
sua integridade física.
Suzane é cúmplice da morte dos
pais, Manfred e Marísia von Richthofen. A estudante admitiu à
época do crime que abriu a porta
da casa em que morava com a família, no Brooklin (zona sul de
São Paulo), facilitando a entrada
de seu então namorado, Daniel
Cravinhos, e do irmão dele, Cristian, que cometeram a ação. O casal foi morto a golpes de barra de
ferro.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida anteontem por
Mello, 58, por telefone, em que ele
comenta o caso de Suzane e a morosidade da Justiça.
Folha - Como o senhor avalia o fato de o crime envolvendo Suzane
von Richthofen ter ocorrido em
2002 e até hoje não haver data para
o julgamento?
Marco Aurélio Mello - Temos de
buscar as causas da lentidão. Não
conheço a situação concreta desse
Tribunal do Júri, mas os órgãos
estão sobrecarregados. Um crime
como esse, em que os aspectos
afloraram, era para ter sido julgado em seis meses. Mas, com a avalanche de processos, fica impraticável. Isso gera um sentimento de
impunidade, o que é ruim.
Folha - Então a impressão que
parte da população tem de lentidão na Justiça é correta?
Mello - Todos temos essa impressão. Quando veio a notícia, a
minha mulher [Sandra de Santis],
que já foi presidente do Tribunal
do Júri, disse: "Como? Ainda não
julgaram?" Devido à lentidão,
uma pessoa pode ficar presa preventivamente cumprindo uma
pena que ainda não foi imposta.
Folha - O habeas corpus para a
Suzane foi acertado?
Mello - Não sei bem qual foi a
fundamentação da decisão do colegiado. De qualquer forma, ela
teria de ser libertada. A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é subscritor, e a emenda [constitucional]
45 prevêem que todo acusado tem
direito de ter um julgamento em
um período razoável. Não dá para
manter o sujeito preso sem uma
sentença condenatória, por maiores que sejam os indícios, até mesmo com a confissão.
Folha - O que fazer para acabar
com essa demora nos processos?
Mello - Precisamos dotar o Judiciário de meios para exercer a atividade. Depois, é preciso um
aperfeiçoamento nos códigos dos
processos para se ter celeridade e
economia processuais, sem prejuízo da defesa.
Folha - O que deve mudar?
Mello - O próprio processo penal
pode ser aperfeiçoado. Mas é preciso vontade política para realmente fazê-lo. Fez-se agora a reforma do Judiciário, via alteração
de um documento que deveria ser
perene, que é a Constituição.
Quando votei, disse que era uma
esperança vã que se dava à sociedade quanto à diminuição do
tempo do processo. A agilidade
passa muito mais pela alteração
da operação dos códigos do que
pela Constituição.
Folha - Quais procedimentos deveriam ser alterados?
Mello - No Brasil, acredita-se que
teremos melhores dias editando
leis. Precisamos, sim, de uma mudança cultural quanto à observância ao direito posto [a legislação já em vigor].
Folha - Em vez de leis, o que é necessário?
Mello - As leis são importantes, o
aprimoramento é constante, mas
não com essa fúria legislativa. A
Constituição Federal é de 1988 e já
temos mais de 50 emendas. Alguma coisa está errada. Todo governo que chega tem seu plano milagroso. E aí ocorre a reforma da
Constituição. Houve reforma da
Previdência Social há pouco. Os
problemas estão solucionados
nesse setor? Não.
Folha - No caso da Suzane, ela é
rica e foi solta. Os irmãos Cravinhos, menos favorecidos financeiramente, estão presos. Isso não faz
com que a população acredite que
o dinheiro influencia nas decisões?
Mello - Sim, e essa leitura é péssima. Eles talvez não tenham condições de contratar um bom advogado. Mas a Constituição prevê
que o Estado tem a obrigação de
assistir os que não têm condições.
A assistência oferecida pelo Estado é precária. Basta considerar
que só agora se movimentam para começar a estruturar a Defensoria Pública. Hoje a assistência é
prestada por um segmento da
Procuradoria do Estado e por advogados free-lancers. Com a defensoria, se prestaria uma defesa
isonômica, pouco importando a
posse do acusado. O Estado precisa rever seu papel, tem de se dedicar aos serviços que são públicos.
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