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LETRAS JURÍDICAS
Força tem novo uso internacional
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Michael Ignatieff escreveu na
edição do dia 21 de junho da revista "Time" comentário sobre
o bombardeio ao qual a Iugoslávia foi submetida durante
mais de dois meses. O comentário merece a avaliação brasileira sob o ângulo do direito de intervenção em nações soberanas.
Extraio do texto de Ignatieff
uma primeira anotação, quando ele diz que "nunca a precisão
do poder de fogo militar havia
sido tão grande, nunca o custo
político de usar esse poder foi
tão baixo", aplicado à destruição de instalações vitais para o
povo iugoslavo, sem a perda de
um só militar estadunidense.
Depois, conclui a respeito reconhecendo ser este "um fato novo para o mundo: um presidente dos Estados Unidos pode lançar seu castigo sobre qualquer
país embusteiro do globo (can
rain punishment down on any
rogue state in the globe), na certeza de que isso não provocará
a perda de vidas" norte-americanas.
A Carta das Nações Unidas,
assinada em São Francisco da
Califórnia em junho de 1945,
determina o oposto. Reconhece
que a guerra é um ilícito internacional, tanto que a solução
guerreira passou a ser desconsiderada, predominando o encaminhamento de soluções jurídicas, práticas e político-diplomáticas por meio do Conselho
de Segurança da ONU. Correspondeu a um grande salto à
frente, pois foi comum, no passado recente, as nações mais
fortes atacarem as mais fracas,
até quando estas não pagavam
suas dívidas em dia.
Na antevéspera do próximo
século não deveria ser assim. A
regra básica do direito internacional vigente está no parágrafo 4º do artigo 2º da Carta da
ONU, pelo qual os seus signatários se comprometeram a não
recorrer "à ameaça ou ao uso
da força contra a integridade
territorial ou a independência
política de qualquer Estado".
Nem ameaça, nem uso de força
armada é tolerada pela Carta,
preservando a integridade dos
Estados livres.
A Carta da ONU não é documento exclusivo a apontar nesse rumo. O Pacto Briand-Kellog, que tomou o nome do ministro de Relações Exteriores da
França e do secretário de Estado dos Estados Unidos, que o
redigiram, afirma a condenação do "recurso à guerra", até
mesmo "como instrumento de
política nacional". O pacto foi
firmado em 1928 e depois subscrito por muitos dos Estados soberanos da época. Tem mais:
considerou a defesa contra
agressão externa como o único
meio legítimo de entrar em
combate.
O exame dos rumos do direito
internacional público parte da
Carta da ONU e do pacto
Briand-Kellog, contra a agressão militar, mas a nova política
norte-americana definida pelo
presidente Bill Clinton, da qual
Michael Ignatieff fez adequada
síntese, afasta e despreza toda
teorização sobre o direito das
nações, desenvolvida nos últimos 80 anos, como se viu dos
dois documentos mencionados.
Por essa política inovada,
sempre que a grande superpotência, isoladamente ou sob
bandeira de organismos militares internacionais (a Otan por
exemplo) considerar contrário
à sua política nacional o comportamento de qualquer nação,
poderá atacá-la. Evidentemente há nessa ameaça uma dose
de hipocrisia: a ameaça só vale
para os países fracos, liliputianos, desarmados em face do
Gulliver gigante, pois só esses
não provocarão perda de vidas
americanas. A síntese da nova
política corresponde a dizer que
vale a pena matar e destruir
países para punir acusados de
violação dos direitos humanos,
mas esse ideal não é tão importante que mereça que se morra
por ele.
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