São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Ajuste constitucional do idoso

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A decomposição dos resultados do censo, divulgada há uma semana, confirma um dado conhecido (a média da população brasileira está cada vez mais velha), mas traz a novidade de que os idosos estão tratando de cuidar de sua vida e de ir em frente sem o auxílio de suas famílias. Tendem a controlar suas casas com ou sem parentes.
A proteção aos direitos do idoso, em particular os dos aposentados, está longe do ideal. Os aposentados são tratados pelos governos como inimigos, tal a feroz resistência a pagarem o que lhes devem. A Fazenda nacional e o INSS não têm cerimônia em sacrificar a Constituição e as leis, aproveitando-se do congestionamento do Judiciário para protelarem, ao infinito, o término dos processos que são movidos contra eles.
Normas constitucionais e legais que tratam do idoso existem em relativa abundância, desde a participação nas eleições até o transporte. Assim, o alistamento eleitoral (obrigatório para a maior parte da população) é facultativo para os maiores de 70 anos (artigo 14, parágrafo 1º, II, b, da Carta Magna). A assistência social é prestada (ou melhor, deveria ser prestada) a quem dela necessite, independentemente de contribuição para a Previdência, como elemento de proteção, entre outros, à velhice. O constituinte teve uma certa cerimônia em chamar os velhos de velhos, mas, quando se tratou da velhice, não houve jeito (artigo 203, I).
O artigo 229 da Constituição aponta em sentido diverso da independência proclamada pelo censo. Mantém para os pais (este plural, a contar do masculino, é inevitável) o dever tradicional de assistir, criar e educar os filhos menores, mas, em contrapartida, atribui aos filhos maiores o dever (veja bem, é o dever) de "ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nesta época, em que a medicina estica a vida, mesmo quando não resolve as dificuldades físicas e psíquicas desse período prolongado, é necessário louvar o constituinte por sua preocupação.
Nesse campo, aliás, a norma constitucional foi à frente, pois está no artigo 230 que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e seu bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida. Esse é o campo em que, mais uma vez, o jurídico fica longe de esgotar as alternativas. Os elementos psicológicos, as relações interpessoais do idoso com suas famílias, que também enfrentam as lutas da vida, interferem muito mais do que o direito, trazendo felicidade e paz ou temor e angústia pelo dia de amanhã. Envelhecer, em geral, estimula a rotina sistemática, complicando seu ajuste aos parentes e aos demais circunstantes.
Deixei para o fim um favor ao idoso que não deveria estar na Constituição. O constituinte acabou inserindo no mesmo artigo 230, em seu parágrafo 2º, a norma segundo a qual "aos maiores de 65 anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos". É bom para quem passou dessa idade, mas não precisaria do nível constitucional, como se demonstra com a lei nº 10.173 do ano passado, pela qual será prioritária a tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte pessoa em idade igual ou superior aos 65 anos. A lei, aliás, não ajuda muito. A lentidão esmagadora do Judiciário tende a piorar. Os velhos que chegarão ao futuro terão mais motivos para se preocuparem. Mas é da estatística: muitos não se preocuparão com mais nada. Nem estarão aqui.



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