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LETRAS JURÍDICAS
Ajuste constitucional do idoso
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A decomposição dos resultados do censo, divulgada há uma semana, confirma um
dado conhecido (a média da população brasileira está cada vez
mais velha), mas traz a novidade
de que os idosos estão tratando de
cuidar de sua vida e de ir em frente sem o auxílio de suas famílias.
Tendem a controlar suas casas
com ou sem parentes.
A proteção aos direitos do idoso,
em particular os dos aposentados,
está longe do ideal. Os aposentados são tratados pelos governos
como inimigos, tal a feroz resistência a pagarem o que lhes devem. A Fazenda nacional e o
INSS não têm cerimônia em sacrificar a Constituição e as leis,
aproveitando-se do congestionamento do Judiciário para protelarem, ao infinito, o término dos
processos que são movidos contra
eles.
Normas constitucionais e legais
que tratam do idoso existem em
relativa abundância, desde a participação nas eleições até o transporte. Assim, o alistamento eleitoral (obrigatório para a maior parte da população) é facultativo para os maiores de 70 anos (artigo
14, parágrafo 1º, II, b, da Carta
Magna). A assistência social é
prestada (ou melhor, deveria ser
prestada) a quem dela necessite,
independentemente de contribuição para a Previdência, como elemento de proteção, entre outros, à
velhice. O constituinte teve uma
certa cerimônia em chamar os velhos de velhos, mas, quando se
tratou da velhice, não houve jeito
(artigo 203, I).
O artigo 229 da Constituição
aponta em sentido diverso da independência proclamada pelo
censo. Mantém para os pais (este
plural, a contar do masculino, é
inevitável) o dever tradicional de
assistir, criar e educar os filhos
menores, mas, em contrapartida,
atribui aos filhos maiores o dever
(veja bem, é o dever) de "ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nesta
época, em que a medicina estica a
vida, mesmo quando não resolve
as dificuldades físicas e psíquicas
desse período prolongado, é necessário louvar o constituinte por
sua preocupação.
Nesse campo, aliás, a norma
constitucional foi à frente, pois está no artigo 230 que a família, a
sociedade e o Estado têm o dever
de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua
dignidade e seu bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida. Esse é
o campo em que, mais uma vez, o
jurídico fica longe de esgotar as
alternativas. Os elementos psicológicos, as relações interpessoais
do idoso com suas famílias, que
também enfrentam as lutas da vida, interferem muito mais do que
o direito, trazendo felicidade e
paz ou temor e angústia pelo dia
de amanhã. Envelhecer, em geral,
estimula a rotina sistemática,
complicando seu ajuste aos parentes e aos demais circunstantes.
Deixei para o fim um favor ao
idoso que não deveria estar na
Constituição. O constituinte acabou inserindo no mesmo artigo
230, em seu parágrafo 2º, a norma segundo a qual "aos maiores
de 65 anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos". É bom para quem passou
dessa idade, mas não precisaria
do nível constitucional, como se
demonstra com a lei nº 10.173 do
ano passado, pela qual será prioritária a tramitação dos procedimentos judiciais em que figure
como parte pessoa em idade igual
ou superior aos 65 anos. A lei,
aliás, não ajuda muito. A lentidão esmagadora do Judiciário
tende a piorar. Os velhos que chegarão ao futuro terão mais motivos para se preocuparem. Mas é
da estatística: muitos não se preocuparão com mais nada. Nem estarão aqui.
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