São Paulo, quinta-feira, 03 de setembro de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Se faltam canções, vamos prover"


Diz o crítico Walter Benjamin que "o conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria"

NESTE ESPAÇO, já citei mais de uma vez o querido compositor mineiro Celso Adolfo, que no ano passado lançou o belo CD "Estrada Real de Villa Rica". São de Celso maravilhas como "Brasil, Nome de Vegetal", "Coração Brasileiro", entre outras. No (também belo) CD "O Tempo", de 2002, encontra-se a singela "Estrela da Luz", cuja letra diz: "Quem canta não pode se esconder / Se faltam canções, vamos prover / A música passa em tudo que vê / Passa o anel de mim pra você".
Os versos de Celso trazem à mente muito do que diz Walter Benjamin em "O Narrador - considerações sobre a obra de Nikolai Leskov". Destaco este trecho, que pode ser associado à imagem que Celso constrói nos versos "A música passa em tudo que vê / Passa o anel de mim para você": "A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores.
(...) O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria". Que os escritos de Benjamin sirvam de inspiração para os que se interessam pelo tema!
Posto isso, vamos ao lado "sujo" da questão (às vezes, é triste, muito triste o papel de quem explica os fatos da gramática, mas... Mas isso é necessário, não?). Em seus versos, Celso empregou o verbo "prover" ("...vamos prover"). Esse verbo significa "abastecer", "suprir". É dele que deriva palavra "provedor", que se ouve e lê muito quando o assunto é internet. Não é preciso muito esforço para deduzir que o provedor é aquele que provê, abastece (um site, por exemplo). No caso da letra de Celso, o provimento é de canções.
E como se conjuga o bendito verbo "prover"? Será sua conjugação igual à de "prever", que, como se sabe, significa "ver antecipadamente", "profetizar", "predizer"? Não, caro leitor, "prover" e "prever" vão por (alguns) caminhos diferentes, embora tenham relação com "videre" (origem latina de "ver"). O verbo "prever" segue integralmente a conjugação de "ver", o que significa, por exemplo, que seu presente do indicativo é "prevejo, prevês, prevê, prevemos, prevedes, preveem".
A dificuldade maior na flexão de "prever" talvez se dê no futuro do subjuntivo, fato que ocorre também com "ver", cujas flexões são... Pausa para reflexão. O caro leitor sabe dizer de bate-pronto quais são as formas cultas do futuro do subjuntivo do verbo "ver"? "Quando eu ver Fulano" ou "Quando eu vir Fulano"?
Não custa relembrar como se forma o futuro do subjuntivo, que deriva do pretérito perfeito do indicativo. Direto ao ponto, ou seja, ao caminho mais rápido: apanha-se a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo (eles disseram, fizeram, souberam, estiveram, puseram, vieram etc.), eliminam-se as duas últimas letras ("am") e chega-se à primeira do singular do futuro do subjuntivo: quando/se eu disser, fizer, souber, estiver, puser, vier etc.
Como fica o verbo "ver"? Vamos lá: de "eles viram" (terceira do plural do pretérito perfeito), chega-se a "vir" ("viram" - "am" = "vir"). O leitor já concluiu que a construção culta é "Quando eu vir Fulano". O verbo "prever" segue o verbo "ver", portanto apresenta "previr": "Quando eu previr os números do mercado...".
Mas a nossa conversa começou com o verbo "prover", empregado por Celso Adolfo em "Estrela da Luz". Esse verbo é híbrido: segue "ver" nos presentes (indicativo e subjuntivo) e é regular nos demais tempos (incluído o futuro do subjuntivo). Moral da história: "O compositor provê de canções quem dele as espera"; "O compositor proveu de canções quem dele as esperava"; "Quando o compositor prover...".
Em tempo: o particípio de "prover" é regular, isto é... Sim, "provido" (o de "prever" é "previsto"). É isso.

inculta@uol.com.br


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