São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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CHOQUE CONTROLADO

Chance de evitar morte súbita é maior com desfibriladores automáticos, que podem ser operados por leigos

Cardíacos já têm pronto-socorro portátil

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O desfibrilador -aparelho usado para reverter parada cardíaca- deixou de ser usado apenas por médicos e paramédicos e já pode ser comprado por leigos. O desenhista Maurício de Sousa e o marqueteiro Nizan Guanaes, por exemplo, já têm os seus e treinaram familiares, seguranças e motoristas para manuseá-los em uma situação de emergência.
A tendência vem dos EUA, onde o FDA (órgão que regula alimentos e fármacos) aprovou a venda do aparelho em farmácias sem prescrição médica. No Brasil, além da prescrição ser exigida, existe a recomendação de que as pessoas próximas façam treinamento em primeiros socorros.
Portáteis e do tamanho de um laptop, os modelos disponíveis no país custam de US$ 2.000 a US$ 4.000, são automáticos e reproduzem gravações -em português- que orientam o leigo a manuseá-los. O aparelho pode ser programado para dar choques "personalizados", conforme o peso da pessoa, por exemplo.
Entre os médicos, há controvérsia sobre a validade do uso pessoal do desfibrilador. "É uma loucura", diz o clínico-geral Milton Glezer, do hospital Albert Einstein.
O cardiologista Daniel Born, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), não vê problema no uso, "desde que haja pessoas treinadas para o socorro".
Para Glezer, o uso pessoal do aparelho pode gerar uma "neurose", pois, para ser efetivo, é preciso que "vítima em potencial" esteja sempre acompanhada de pessoas treinadas.
A idéia é que a "popularização" do desfibrilador reduza os números de morte súbita (parada súbita do coração que pode acontecer com ou sem sintomas), segundo o cardiologista Sérgio Timerman, do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), de São Paulo, e presidente da Fundação Interamericana do Coração.
No mundo, essa síndrome mata mais do que a Aids, os homicídios e os acidentes de trânsito. No Brasil, estima-se que 160 mil pessoas morram por ano vítimas de morte súbita -95% antes de serem hospitalizadas. Apesar do nome da síndrome, a vítima pode se recuperar se for socorrida rápida e corretamente.
Timerman diz que cerca de 90% das mortes súbitas ocorrem por fibrilação ventricular (o coração bate acelerada e desordenadamente), que pode ser corrigida somente com os choques aplicados pelo desfibrilador.
Pessoas que tenham antecedentes na família, como é o caso de Maurício de Sousa e Nizan Guanaes, têm maior possibilidade de ter uma morte súbita.
Se não for socorrido, alguém com parada cardiorrespiratória -que pode decorrer da síndrome ou de outros problemas- perde, a cada minuto, 10% da chance de sobreviver. Poucos sobrevivem além dos dez minutos.
Foi exatamente nessas condições que morreram os jogadores Marc Vivian Foe e Miklos Fehér, dos Camarões e do Benfica, respectivamente, sob os holofotes das TVs. "Se houvesse um desfibrilador por perto, certamente eles teriam tido chances de sobreviver", acredita Timerman.
O uso do aparelho deve ganhar mais força a partir do próximo ano, quando a Aliança Internacional dos Comitês de Emergência e Ressuscitação vai anunciar, em suas novas diretrizes, que os choques devem ser o primeiro procedimento a ser adotado nos primeiros quatro minutos de parada cardiorrespiratória, quando há 70% de chances de sobrevida.
Hoje, primeiro se tenta a reanimação com massagens e respiração boca-a-boca. "Quanto mais rápido for o choque, maiores serão as chances de sobrevivência", diz o cardiologista Elias Knobel, do hospital Albert Einstein.
Projeto de lei do senador Tião Viana (PT-AC), que ainda depende de aprovação na Câmara dos Deputados, prevê a obrigatoriedade de desfibriladores em locais públicos com aglomeração ou circulação igual ou acima de 2.000 pessoas por dia, como aeroportos, centros comerciais, estádios e hotéis. A mesma regra é prevista para meios de transporte com capacidade igual ou superior a cem passageiros, além de ambulâncias e carros de resgate, policiais e de bombeiros.

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