São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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SAÚDE

Cardiologista propõe a radicalização do tratamento para evitar mortes por doenças cardiovasculares

Médico quer mais rigor contra colesterol

DA REPORTAGEM LOCAL

Não basta seguir as atuais recomendações internacionais sobre os níveis de colesterol aceitáveis. É preciso baixar ainda mais essas metas para evitar as mortes por problemas cardiovasculares.
O alerta é do médico Allan Gaw, da Universidade de Glasgow, 49, na Escócia, que esteve nesta semana no Brasil, participando do Congresso Brasileiro de Cardiologia, no Rio de Janeiro. Para ele, é melhor reduzir drasticamente o colesterol "ruim" do que manter os níveis no padrão recomendado pelas diretrizes norte-americanas.
No congresso, o especialista apresentou um estudo em que mostrou que uma abordagem agressiva no tratamento de pacientes com síndrome coronariana aguda (infartados ou prestes a ter um infarto) ocasiona maior diminuição dos níveis de colesterol e, conseqüentemente, redução na morbidade e mortalidade.
Foram acompanhados 4.497 pacientes entre 1999 e 2003, selecionados em 322 centros de pesquisa de 41 países. Entre os pacientes que receberam um tratamento agressivo -com doses diárias de 40 mg de estatina no primeiro mês e 80 mg a partir do 30º dia- houve 25% a menos de mortes cardiovasculares em relação ao grupo tratado com a terapia tradicional.
As novas diretrizes do Programa Nacional de Educação do Colesterol (EUA) recomendam que pacientes com alto risco para problemas cardíacos devam manter as taxas de colesterol "ruim" abaixo de 70 mg/dL. As diretrizes européias e brasileiras estabelecem como meta uma taxa abaixo de 100 mg/dL. A seguir, os principais trechos da entrevista dada à Folha por e-mail. (CLÁUDIA COLLUCCI)

Folha - A redução proposta nos níveis do colesterol vale para qualquer país? No caso do Brasil, não seriam necessários estudos prospectivos e randomizados para que as novas metas fossem aplicadas?
Allan Gaw -
As novas metas são baseadas em diferentes linhas de evidência e são provavelmente aplicáveis nas Américas do Sul e do Norte e na Europa [.]

Folha - Qual é o critério para se adotar um tratamento mais agressivo na redução do colesterol ruim?
Gaw -
As novas metas são destinadas a pacientes de alto risco, ou seja, aqueles que já sofreram ataques cardíacos ou que estão com os níveis de colesterol ruim elevados, por exemplo.

Folha - Que tipo de efeitos colaterais pode causar essa terapia mais radical ao paciente?
Gaw -
Não há notícia de efeitos colaterais importantes nessas novas terapias de redução do colesterol. Tudo o que irá acontecer é que teremos mais eficácia na redução do risco de doenças cardiovasculares. Sempre haverá efeitos colaterais associados ao uso de drogas, especialmente [ ] se doses elevadas têm que ser usadas para atingir as novas metas [. ] Com as estatinas, que são as drogas mais comuns usadas na redução do colesterol, os efeitos colaterais são raros, mas alguns pacientes podem desenvolver problemas no fígado ou nos músculos [.] Essas drogas devem ser evitadas na gravidez.

Folha - Hoje sabe-se que metade das mortes por infarto não estão relacionadas às altas taxas de colesterol, mas sim a uma inflamação nas paredes da artéria. O que o sr. pensa sobre isso?
Gaw -
A inflamação é a característica-chave no desenvolvimento dos ataques cardíacos, mas o fato é que você precisa de colesterol para o ataque cardíaco. Até pacientes com níveis de colesterol considerados normais podem desenvolver ataque cardíaco. [ ] Há muitas pesquisas procurando analisar o impacto das drogas antiinflamatórias no risco de ataque cardíaco, mas têm sido inconclusivas. No entanto sabemos que os níveis baixos de colesterol funcionam e podem reduzir o risco de 20% a 40%.

Folha - Ao se propor reduções ainda mais drásticas nas metas de colesterol, não corremos o risco de ficar ainda mais dependentes dos grandes laboratórios que produzem essas drogas?
Gaw -
A redução do colesterol deve, primeiro, ser responsabilidade do próprio paciente, com mudanças no estilo de vida, como dieta e exercícios físicos. Nós podemos acrescentar a isso as drogas que reduzem o colesterol. Até o momento, na maioria dos países, elas só estão disponíveis com a prescrição do médico. Mas eu creio que, em razão de serem tão seguras e efetivas, elas estarão mais disponíveis no futuro. Neste ano, no Reino Unido, a estatina tornou-se disponível nas farmácias sem prescrição médica.

Folha - Hoje existe uma grande preocupação em relação à baixa adesão do paciente ao tratamento do colesterol. O que deveria ser feito para reverter esse quadro?
Gaw -
Em razão de as drogas que reduzem o colesterol não fazerem as pessoas se sentirem melhor a curto prazo, muitos pacientes param de tomá-las [. ] Estima-se que perto da metade de todos os pacientes que começam com a estatina não vão além dos 12 meses. É um grande problema porque, [ ] para conseguir benefícios com essas drogas, é preciso tomá-las a longo prazo. O melhor caminho é a educação. Médicos e enfermeiras devem enfatizar a importância do tratamento, orientando seus pacientes [.] Os benefícios vêm mais tarde, com o acréscimo de anos saudáveis.

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