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TRAGÉDIA NO AR
Sucessão de erros provocou o maior acidente aéreo da história do país
Centro de controle aéreo em Brasília não avisou Legacy sobre altitude em desacordo com plano de vôo aprovado na decolagem
Jato comprado na Embraer ia para os Estados Unidos, mas precisava fazer
uma escala técnica e alfandegária em Manaus
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
LÍVIA MARRA
DA FOLHA ONLINE
O maior acidente aéreo da
história do país resultou de
uma combinação de erros no
controle aéreo em Brasília, ineficiência na cobertura de rádio
no Centro-Oeste e dúvidas sobre procedimentos do piloto e
equipamentos em pelo menos
um dos aviões envolvidos no
choque que matou 155 pessoas.
A colisão entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato executivo
Legacy comprado por uma empresa americana da Embraer
ocorreu na noite de sexta-feira,
e a lista de erros que levou ao
choque já apurados junto a autoridades aeronáuticas e pilotos ainda está carregada de dúvidas. Não é possível, a esta altura, falar em culpas.
A seguir, a Folha lista os
equívocos e algumas hipóteses
sob investigação, hierarquizando-os por ordem cronológica e
não por pretensa gravidade.
A rota
O Legacy comprado pela ExcelAire rumava aos Estados
Unidos decolando às 14h51 de
São José dos Campos, em São
Paulo, mas precisava fazer uma
escala técnica e alfandegária
em Manaus -como jato "0
km", precisava de desembaraço
aduaneiro.
Para isso, o jato tomou a "aerovia" UW2 do espaço aéreo do
Estado de São Paulo para Brasília. As aerovias são equivalentes a rodovias virtuais no céu, e
a UW2 é de "mão única", sentido Brasília.
Nessa "pista", o avião estava a
37 mil pés (cerca de 11,2 km).
Ao chegar a Brasília, ele deveria
virar a noroeste e pegar a UZ6,
esta uma "rodovia de mão dupla", com aviões indo e vindo.
Para evitar os choques, os
aviões usam "pistas" com 1.000
pés (300 metros) de distância e
em alguns casos, separação longitudinal. Para evitar colisões,
os aviões vindos de Manaus
usam as pistas "ímpares" (21
mil pés, 37 mil pés, por exemplo) e os que vêm de Brasília, as
"pares" (20 mil pés, 36 mil pés).
Segundo o plano de vôo registrado e aprovado em São José dos Campos quando decolou, o Legacy deveria entrar na
UZ6 e baixar para 36 mil pés e
seguir para Manaus. Não foi o
que ocorreu.
Erro no controle
Ao passar por Brasília, os
controladores do Cindacta-1, o
centro de controle que cuida do
Centro-Oeste e Sudeste do
país, não entraram em contato
com o Legacy. Eles deveriam
ter feito isso para certificar a
redução no nível de vôo.
Onde está o Legacy?
Segundo a Folha apurou, depois de cerca de 15 minutos foi
notado que o radar apenas indicava um ponto sem identificação ou controle de altitude
na rota em que o Legacy deveria estar.
Os horários exatos só podem
ser conhecidos nos registros da
FAB, mas foram em torno de
16h -uma hora antes da colisão entre os aviões.
E o que aconteceu? Para militares, a ausência de identificação só pode ocorrer se uma faixa de freqüência para transmissão, chamada faixa C, não
estiver funcionando no transponder da aeronave.
O transponder é a antena
que transmite os dados do
avião para o controle de vôo e
outros aparelhos. É por essa
faixa que são enviados os dados
do sistema anticolisão da aeronave, chamado TCAs.
Se o transponder do Legacy
não estava transmitindo seus
dados, não poderia ter se comunicado com o TCAs do
Boeing e assim sugerir uma alteração de rota emergencial
para evitar o choque.
Uma especulação nos meios
militares é a de que o piloto poderia desligar o equipamento
para fazer "testes" de manobras com o avião sem alertar o
controle aéreo. Isso seria comum em "primeiros vôos" dos
novos donos.
A dúvida só poderá ser respondida com a análise da caixa-preta do Legacy, mas militares
e pilotos confrontados pela reportagem com a informação
são unânimes: ou o aparelho
estava desligado total, ou parcialmente, ou tinha algum problema técnico.
Isso explicaria por que os
aviões não desviaram um do
outro, mas é essencial a análise
da caixa-preta do Boeing para
saber o que aconteceu na aeronave da Gol.
Pânico
Com o sumiço, o centro entrou no que os militares chamam de "estado de incerteza"
e, cinco minutos depois, no estado de "alerta".
Foi quando os cerca de 30
profissionais no centro, oito
deles cuidando dos consoles de
radar que monitoravam a rota
da colisão, perceberam que algo estava errado.
Um operador, com aproximadamente seis anos de experiência, tentou se comunicar
pelas duas freqüências de rádio, das cinco que deveriam estar operantes, com o Legacy.
Em seu depoimento à Polícia
Federal em Cuiabá, os pilotos
do Legacy citam ter perdido o
contato por rádio "poucos minutos" antes do choque, na freqüência 135,9 MHz. Foi essa e
outra, a 125,2 MHz, que o operador em Brasília tentou usar.
Não conseguiu.
"Buraco negro"
Aí entra um componente nada alentador para quem voa pela região Norte.
As freqüências de rádio são
de péssima qualidade entre
Brasília e Manaus e, a partir de
um marco conhecido como Teres (480 km ao norte da capital
federal), há um verdadeiro blecaute que só passa quando radares e rádios de Manaus agem
com mais eficácia.
Essa área, conhecida como
"buraco negro" pelos controladores de vôo, é exatamente em
cima da região da serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão.
Pilotos relatam que lá contam
apenas com os equipamentos
dos aviões.
Um ponto que a investigação
deverá mostrar é se houve contato entre Brasília e Manaus, na
tentativa de contatar o Boeing e
determinar que ele mudasse de
rumo. A especulação é a de que
o 737 da Gol já estivesse no "buraco negro" quando contatado.
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