São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

Próximo Texto | Índice

TRAGÉDIA NO AR

Sucessão de erros provocou o maior acidente aéreo da história do país

Centro de controle aéreo em Brasília não avisou Legacy sobre altitude em desacordo com plano de vôo aprovado na decolagem

Jato comprado na Embraer ia para os Estados Unidos, mas precisava fazer uma escala técnica e alfandegária em Manaus

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

LÍVIA MARRA
DA FOLHA ONLINE

O maior acidente aéreo da história do país resultou de uma combinação de erros no controle aéreo em Brasília, ineficiência na cobertura de rádio no Centro-Oeste e dúvidas sobre procedimentos do piloto e equipamentos em pelo menos um dos aviões envolvidos no choque que matou 155 pessoas.
A colisão entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato executivo Legacy comprado por uma empresa americana da Embraer ocorreu na noite de sexta-feira, e a lista de erros que levou ao choque já apurados junto a autoridades aeronáuticas e pilotos ainda está carregada de dúvidas. Não é possível, a esta altura, falar em culpas.
A seguir, a Folha lista os equívocos e algumas hipóteses sob investigação, hierarquizando-os por ordem cronológica e não por pretensa gravidade.

A rota
O Legacy comprado pela ExcelAire rumava aos Estados Unidos decolando às 14h51 de São José dos Campos, em São Paulo, mas precisava fazer uma escala técnica e alfandegária em Manaus -como jato "0 km", precisava de desembaraço aduaneiro.
Para isso, o jato tomou a "aerovia" UW2 do espaço aéreo do Estado de São Paulo para Brasília. As aerovias são equivalentes a rodovias virtuais no céu, e a UW2 é de "mão única", sentido Brasília.
Nessa "pista", o avião estava a 37 mil pés (cerca de 11,2 km). Ao chegar a Brasília, ele deveria virar a noroeste e pegar a UZ6, esta uma "rodovia de mão dupla", com aviões indo e vindo.
Para evitar os choques, os aviões usam "pistas" com 1.000 pés (300 metros) de distância e em alguns casos, separação longitudinal. Para evitar colisões, os aviões vindos de Manaus usam as pistas "ímpares" (21 mil pés, 37 mil pés, por exemplo) e os que vêm de Brasília, as "pares" (20 mil pés, 36 mil pés).
Segundo o plano de vôo registrado e aprovado em São José dos Campos quando decolou, o Legacy deveria entrar na UZ6 e baixar para 36 mil pés e seguir para Manaus. Não foi o que ocorreu.

Erro no controle
Ao passar por Brasília, os controladores do Cindacta-1, o centro de controle que cuida do Centro-Oeste e Sudeste do país, não entraram em contato com o Legacy. Eles deveriam ter feito isso para certificar a redução no nível de vôo.

Onde está o Legacy?
Segundo a Folha apurou, depois de cerca de 15 minutos foi notado que o radar apenas indicava um ponto sem identificação ou controle de altitude na rota em que o Legacy deveria estar.
Os horários exatos só podem ser conhecidos nos registros da FAB, mas foram em torno de 16h -uma hora antes da colisão entre os aviões.
E o que aconteceu? Para militares, a ausência de identificação só pode ocorrer se uma faixa de freqüência para transmissão, chamada faixa C, não estiver funcionando no transponder da aeronave.
O transponder é a antena que transmite os dados do avião para o controle de vôo e outros aparelhos. É por essa faixa que são enviados os dados do sistema anticolisão da aeronave, chamado TCAs.
Se o transponder do Legacy não estava transmitindo seus dados, não poderia ter se comunicado com o TCAs do Boeing e assim sugerir uma alteração de rota emergencial para evitar o choque.
Uma especulação nos meios militares é a de que o piloto poderia desligar o equipamento para fazer "testes" de manobras com o avião sem alertar o controle aéreo. Isso seria comum em "primeiros vôos" dos novos donos.
A dúvida só poderá ser respondida com a análise da caixa-preta do Legacy, mas militares e pilotos confrontados pela reportagem com a informação são unânimes: ou o aparelho estava desligado total, ou parcialmente, ou tinha algum problema técnico.
Isso explicaria por que os aviões não desviaram um do outro, mas é essencial a análise da caixa-preta do Boeing para saber o que aconteceu na aeronave da Gol.

Pânico
Com o sumiço, o centro entrou no que os militares chamam de "estado de incerteza" e, cinco minutos depois, no estado de "alerta".
Foi quando os cerca de 30 profissionais no centro, oito deles cuidando dos consoles de radar que monitoravam a rota da colisão, perceberam que algo estava errado.
Um operador, com aproximadamente seis anos de experiência, tentou se comunicar pelas duas freqüências de rádio, das cinco que deveriam estar operantes, com o Legacy.
Em seu depoimento à Polícia Federal em Cuiabá, os pilotos do Legacy citam ter perdido o contato por rádio "poucos minutos" antes do choque, na freqüência 135,9 MHz. Foi essa e outra, a 125,2 MHz, que o operador em Brasília tentou usar. Não conseguiu.

"Buraco negro"
Aí entra um componente nada alentador para quem voa pela região Norte.
As freqüências de rádio são de péssima qualidade entre Brasília e Manaus e, a partir de um marco conhecido como Teres (480 km ao norte da capital federal), há um verdadeiro blecaute que só passa quando radares e rádios de Manaus agem com mais eficácia.
Essa área, conhecida como "buraco negro" pelos controladores de vôo, é exatamente em cima da região da serra do Cachimbo, onde ocorreu a colisão. Pilotos relatam que lá contam apenas com os equipamentos dos aviões.
Um ponto que a investigação deverá mostrar é se houve contato entre Brasília e Manaus, na tentativa de contatar o Boeing e determinar que ele mudasse de rumo. A especulação é a de que o 737 da Gol já estivesse no "buraco negro" quando contatado.


Próximo Texto: Rubem Alves: Sobre a educação
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.