São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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COMPORTAMENTO

Cartilha dá dicas a homossexuais; para militante, agressões da sociedade e da polícia preocupam mais

Violência entre casal gay é tema de manual

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ciumento, violento, "sarado", o vigilante Cleber jogou álcool no corpo de Oseas e ameaçou tocar fogo. Se fossem à polícia, seria uma "tentativa de homicídio", mas o caso ficou entre as quatro paredes. Cleber e Oseas formavam um casal e viviam juntos havia dois anos. Sem registro, a agressão de Cleber transformou-se em mais um caso ignorado e não registrado de "violência sexual entre casais homossexuais".
No mês passado, um manual lançado sobre o assunto pelo GGB, Grupo Gay da Bahia, fez lembrar que entre casais de homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais também podem ocorrer ameaças, humilhações, tapas e até mortes -nada diferente do que ocorre entre alguns casais heterossexuais. A diferença, quando ela existe, é que nos casais heteros é o homem que costuma bater; nos outros, geralmente, é o mais fraco que apanha.
Números não oficiais divulgados pelo GGB estimam que mais de uma centena de gays, lésbicas e travestis (GLTs) são assassinados por ano, no Brasil. Segundo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fiador desses números, entre cinco e dez desses casos seriam de amantes que mataram parceiros.
Pode parecer chute. Nos EUA, no entanto, o NCAVP, um programa que documenta violência doméstica entre casais gays registrou 3.327 casos em 1997. A área coberta representa 20% do território americano, o que significa que o total de casos naquele país passaria dos 16 mil. Esses seriam só os casos registrados em delegacias e pelas ONGs, um número infinitamente menor que o real.
Segundo dados do NCAVP, os estudos de prevalência nos EUA mostram que entre 25% e 33% dos membros da comunidade gay relatam ter sofrido algum abuso por parte de seus parceiros. O número, segundo a instituição, seria comparável ao da violência doméstica ocorrida entre casais heterossexuais naquele país.
No Brasil, uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo divulgada neste ano diz que 43% das mulheres heterossexuais já foram vítimas de violência psicológica, física ou sexual. A pesquisa, "A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado", ouviu 2.502 mulheres em 187 cidades do país.
A maioria dos líderes da comunidade homossexual diz que a violência contra eles -especialmente a institucional- é muito maior e mais preocupante que a violência entre eles, dentro do casal. Muitos são humilhados pela família, pela igreja, pela escola, e apanham da polícia. Também acreditam que a violência doméstica entre eles seja menor que entre casais heteros.
A advogada Maria Stella Moreira Pires, 58, membro do colegiado da Amam (Associação de Mulheres que Amam Mulheres), diz que entre as lésbicas o machismo e a disputa de poder é muito menor. "As duas vão ao supermercado, cuidam da casa, dividem as tarefas e se ajudam quando uma perde o emprego." Funcionária da liderança do PT na Assembléia Legislativa, Maria Stella diz que em 40 anos nunca viu uma agressão séria entre duas lésbicas.
Rosangela Castro, do grupo de mulheres Felipa de Souza, do Rio, diz que a violência doméstica entre lésbica existe, "mas é muito velada". "A mulher não pode sequer expor sua sexualidade para a família e para a sociedade, como vai aparecer numa delegacia dizendo que apanhou da companheira?", pergunta. "Nem as delegacias da mulher têm profissionais preparados para nos receber."
A cartilha do GGB chama a atenção para as várias situações que levam à violência entre os casais gays e sugere medidas para se "evitar e superar este mal que faz de nós, não seres humanos, mas lobos e feras agressivas".
"Infelizmente, o machismo impregna a todos nós, inclusive os gays, lésbicas, transexuais e travestis, e todos juntos, devemos batalhar pela construção de uma sociedade marcada pela cultura da paz e do amor, não da guerra".
Beto de Jesus, 39, militante gay e educador, diz que a violência institucionalizada é muito maior, mas aquela entre os homossexuais deve ser combatida da mesma forma. "A violência tem uma mesma matriz, a baixa auto-estima. Só vai diminuir quando você conseguir ir ao Ministério Público e denunciá-la, quando deixarmos de entrar numa delegacia pela porta dos fundos."


Mais informações sobre a cartilha do GGB pelo telefone 0/xx/71/322-2552 ou no site: www.ggb.org.br

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