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ARTIGO
Aeroporto de filme
MARIA INÊS DOLCI
COLUNISTA DA FOLHA
O FILME "Aeroporto",
de 1970, abriu o rico filão conhecido como cinema-catástrofe. Vocês se lembram do roteiro? Em meio à
ameaça de um psicopata de explodir um avião, seu piloto tenta um pouso forçado, enquanto
os controladores de vôo buscam manter o aeroporto funcionando, mesmo com uma nevasca. Por que me lembrei desse filme? Porque, embora não
tenhamos ameaça de uma explosão terrorista, estamos na
iminência de uma completa explosão, no sentido figurado, do
transporte aéreo no Brasil.
Os subsídios para este triste
roteiro começaram há alguns
anos, quando a Varig, então orgulho da aviação brasileira, começou a fazer água. Continuaram com o desvio das verbas
para segurança aérea, a partir
de 2003, já sob o domínio do
"nunca ninguém jamais". Refiro-me aos R$ 286,5 milhões
efetivamente empregados no
programa de proteção ao vôo
até agora, dos R$ 531,7 milhões
previstos para este ano.
A não ser que o governo Lula
gaste os R$ 245,2 milhões em
menos de 60 dias, terá tungado
uma montanha de dinheiro do
Fundo Aeronáutico, formado
por tarifas cobradas nos embarques e nas taxas aeroportuárias, e que acumulava, segundo esta Folha, em matéria
publicada ontem, R$ 1,9 bilhão.
E essa tunga, em menor escala,
ocorreu de 2002 para cá.
Respeito ao passageiro, e a
todos os interessados no transporte aéreo, é o que mais está
faltando nestes dias de atrasos
e cancelamentos de vôos nos
aeroportos brasileiros. Quem
está sofrendo com os transtornos se sente desamparado, por
não ver resultados imediatos
nas medidas adotadas para reverter o caos em que se transformaram os saguões dos aeroportos. O Código de Defesa do
Consumidor garante o direito à
informação sobre os serviços
prestados, mas não é o que se
vê nesse caso.
Se o consumidor tivesse informação prévia da empresa
aérea sobre o atraso dos vôos,
por exemplo, poderia adiar o
deslocamento desnecessário
até o aeroporto, evitando o desconforto da longa espera. O colapso no sistema de controle
aéreo, agora às claras, mostra o
risco que estávamos correndo,
sem saber. Pior é que as medidas anunciadas pelo governo
parecem improvisação e não
tranqüilizam quanto à segurança dos vôos.
Lembram, em verdade, o que
foi feito no apagar das luzes
desse mandato presidencial,
com as ridículas condições das
rodovias brasileiras. Teremos,
agora, com o cheque em branco
da reeleição já assinado, uma
espécie de "tapa-buracos aeroportuário". E, obviamente,
muito mais do mesmo, devido
ao tal cheque em branco!
Enquanto isso, o passageiro
que aguarda para embarcar fica
sem saber as reais causas dos
atrasos dos vôos. Recomendo
aos passageiros procurarem os
balcões das empresas aéreas
nos aeroportos para reclamar,
em função da responsabilidade
solidária. Ou seja: ainda que a
culpa não seja exclusivamente
das empresas, elas venderam
os bilhetes aéreos; logo, respondem primeiramente por
eles, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
Em seguida, podem recorrer
à Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), embora esta em
muito se assemelhe às outras
agências reguladoras, pelo desprezo com que trata os cidadãos que recorrem aos seus
serviços.
Além disso, quem se sentir
prejudicado deve se documentar sobre os prejuízos sofridos
com os atrasos, caso deseje
acionar o Juizado Especial Cível para ressarcimento por perdas e danos. Podem ser acionadas a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária
(Infraero), a Anac e as companhias aéreas.
Compreendo e sou solidária
com a situação dos controladores aéreos, que reivindicam
menor carga de trabalho para
não comprometer a segurança.
Mais do que isso, considero um
abuso seus salários, quando
comparados à responsabilidade que têm com nossas vidas.
Fui informada de que no Aeroporto Santos Dumont, no
Rio, nem o elevador funciona,
obrigando os controladores a
subirem os 300 degraus das escadas. É essa gestão lastimável,
incompetente, que compromete a segurança e a tranqüilidade
de quem utiliza aviões como
meio de transporte.
Os controladores de vôo alegam que, às vésperas de feriados, como neste de Finados,
chegam a monitorar 20 vôos,
mais do que o limite por profissional estipulado pelo manual
operacional da Aeronáutica.
Preservar a segurança dos passageiros é fundamental para
evitar acidentes, como o ocorrido com avião da Gol, há um
mês, que vitimou 154 pessoas.
Apesar disso, também me solidarizo com os mais prejudicados, os passageiros, dentre os
quais me incluo, que não poderíamos ser penalizados por essa queda-de-braço somada à
incompetência atávica dos
responsáveis.
Por ora, a quem vai viajar de
avião nesses períodos recomendo se munir de muita paciência, para evitar aborrecimentos. Tente fazer contato
com a empresa aérea antes de
sair de casa, para saber sobre
atrasos, esperas e cancelamentos. Caso tenha prejuízos com o
atraso do vôo, o prazo para recorrer à Justiça é de até um
ano, contado a partir da data do
vôo. É necessário provar que
houve o atraso superior a quatro horas, o que é possível com
a própria passagem e informações sobre o horário em que o
vôo atrasado de fato ocorreu.
O passageiro não deve aceitar o dano passivamente, já que
paga altas taxas de embarque, e
as passagens são caras. Afinal,
as tarifas aeroportuárias são
pagas por clientes e companhias aéreas.
Na impossibilidade de acordo diretamente com a companhia aérea, o passageiro deve
procurar os órgãos de defesa do
consumidor e, se necessário,
entrar na Justiça. Como a
maioria das ações desse tipo se
restringe a 40 salários mínimos, é possível ingressar nos
Juizados Especiais Cíveis, onde o processo costuma ser mais
rápido que na Justiça comum.
Quem perdeu compromissos
em outra cidade, com conseqüentes prejuízos financeiros
ou a negócios, por conta da onda de atrasos de vôos em todo o
país, terá dificuldades em
achar o responsável para pedir
indenização. Há um jogo de
empurra. Ninguém assume sua
responsabilidade nesses casos.
Algo, porém, é óbvio, exceto
para os que apóiam incondicionalmente o governo atual:
quem controla o setor aéreo
deve responder por essas falhas. Por mais que as empresas
possam ser questionadas sobre
procedimentos do dia-a-dia,
elas não controlam o tráfego
aéreo, nem os aeroportos.
Só respondem pela segurança de suas aeronaves e tripulações, não por rotas, superlotação de aeroportos, falta de investimento em segurança.
Quem investiu menos do que
deveria foi o governo. O consumidor deve reclamar nas companhias aéreas, pois foi lá que
comprou seu bilhete, mas deve
saber quem causou esse caos.
Não há dúvidas de que as medidas para reduzir os danos,
por enquanto, não surtiram
efeito. Com essa crise, o brasileiro precisa pensar duas vezes
antes de marcar uma viagem
aérea. Vimos, neste feriado,
que a situação pode ser ainda
mais crítica.
http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br
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