São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Uma cidade que aprende a voar


Como São José dos Campos montou um ambicioso plano de inovação econômica e educacional

É UMA das mais férteis experiências brasileiras para mostrar como uma cidade investe na produção do conhecimento e produz emprego.
Com 600 mil habitantes, São José dos Campos, no interior de São Paulo, delimitou uma área de 3 milhões de metros quadrados (dois parques Ibirapuera) para receber centros de pesquisa, universidades e empresas, cuja missão é gerar alta tecnologia.
O que se monta, nessa experiência, não é só um plano de inovação econômica, mas um arranjo educacional, com um elo que vai do aluno de ensino fundamental até aos cientistas pós-doutorados, passando pelos estudantes das escolas técnicas.

 

A história começa, em 2004, com a decisão da prefeitura de comprar uma fábrica desativada de 38 mil metros quadrados, reservando as terras do entorno para o parque tecnológico. O objetivo: aprofundar a vocação industrial de São José dos Campos, especialmente as atividades aeroespaciais.
Acoplaram-se, então, peças dos governos municipal, estadual e federal. A Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo bancou as primeiras pesquisas e, com uma faculdade de tecnologia, a formação de mão-de-obra qualificada. Entraram instituições de prestígio internacional como a Universidade Federal de São Paulo, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que está instalado na USP, a Embraer e o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).
 

O projeto não se restringe à pesquisa e ao desenvolvimento de empresas associadas à atividade aeroespacial. Já está funcionando ali um centro de biotecnologia da Universidade Federal de São Paulo, interessada em se aproximar de núcleos de ciências exatas. Preparam-se alianças com as indústrias da região, onde existem General Motors, Kodak, Petrobras, Ericsson, Monsanto, LG Phillips, Johnson&Johnson, entre muitas outras.
O que se imagina é que, além de manter a competitividade local, mais empresas seriam atraídas pelo parque tecnológico, a exemplo do que aconteceu quando, há mais de 50 anos, lançou-se em São José dos Campos um centro de pesquisas aeroespaciais, do qual resultou o ITA para formar engenheiros, que viabilizaram a Embraer - e, assim, criou-se toda uma cadeia produtiva. Como vivemos numa era de muita competição em escala global, todas essas conquistas tendem a envelhecer rapidamente. Daí o projeto do parque tecnológico.
 

Tornou-se, entretanto, importante olhar para baixo -e, aí, o arranjo educacional torna-se ainda mais complexo. "A educação pública precisa melhorar para acompanhar a vocação local", afirma o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury, formado em engenharia industrial.
Num país em que muitas prefeituras se recusam até mesmo a assumir alunos da quinta à oitava série, o projeto de São José dos Campos é ampliar o ensino técnico em parceria com o governo estadual. Modelo não falta: a Embraer criou na cidade uma escola pública de ensino médio, na qual vai desenvolver o conceito de pré-engenharia, preparando a cabeça dos alunos para noções mais avançadas de engenharia.
 

Na semana passada, o prefeito discutia um plano para despertar o interesse das crianças e adolescentes pelas ciências, muitas vezes odiadas pelos alunos. O que se pretende é compartilhar, nas escolas, o que se faz nas empresas, com permanentes visitas monitoradas. Está previsto para ser lançado, em 2007, um concurso para todos os alunos com a seguinte pergunta: por que um avião voa? Fariam, então, da Embraer uma espécie de laboratório escolar. A cada ano, novos temas iriam se juntando até que todo o currículo de ciências se mesclasse aos saberes locais. Quando estudassem energia, a refinaria da Petrobras se prestaria como sala de aula.
 

Se vai dar certo, temos que esperar para ver. Mas é um arranjo que ensina, como vemos no mundo, não como apenas uma cidade mas um país pode voar.
 

PS - Depois de sua meteórica passagem pela prefeitura, José Serra tem condição de deixar uma marca histórica na cidade. Basta tirar do papel o plano, já aprovado, de construção de um parque tecnológico em torno da USP. O projeto foi pensado para ocupar a imensa e poluída área da Ceagesp, que, com seus lixos e congestionamento de caminhões, ajudou a deteriorar toda uma região nas duas margens dos rios Pinheiros e Tietê. O foco desse parque seria o desenvolvimento de tecnologia para a área de serviços -finanças, moda, design, telecomunicações, saúde-, que são a vocação paulistana.

gdimen@uol.com.br


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