São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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HABITAÇÃO

78,3% dos municípios com até 500 mil habitantes convivem com esse tipo de moradia; 17,5% não têm programas na área

Favelização cresce em cidade de médio porte

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Núcleo Nova Conquista, em Diadema (Grande São Paulo), que teve uma parte já urbanizada, com asfalto, esgoto e ampliação de ruas


DA REPORTAGEM LOCAL

A favelização deixou de ser um problema restrito às metrópoles para ganhar terreno nos municípios de médio porte do Brasil -78,3% dos quais já convivem com essa forma de habitação.
Foi nesse grupo, com população de 100.001 a 500 mil habitantes, que as favelas mais se espalharam em novos municípios entre 1999 e 2001. Há quatro anos, 139 cidades com esse perfil tinham favelas. Dois anos depois, já eram 152, com 3.373 aglomerações e 532 mil moradores cadastrados.
Os dados integram a Munic (Pesquisa de Informações Básicas Municipais), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada em novembro e com base em dados de 2001.
Ela também identificou que 17,5% das prefeituras de cidades médias e 6,2% das grandes (acima de 500 mil habitantes) declaravam não adotar nenhum tipo de programa habitacional -e, entre as que tinham alguma atuação nessa área, ainda prevaleciam as soluções consideradas mais tradicionais para resolver os problemas de moradia popular, como a construção de unidades.
Medidas de urbanização de favelas e assentamentos -defendidos por especialistas desde os anos 90 como uma opção à construção de casas isoladas em áreas periféricas- estão na quarta posição entre as mais frequentes: 56,7% das grandes e 46,9% das médias cidades as incluíram em suas políticas habitacionais, enquanto a construção de novas unidades tem a adesão de 83,3% e 83,1%, respectivamente.
A preocupação com a favelização nos municípios com até 500 mil habitantes é notada na prioridade de investimentos do Habitar Brasil BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), principal programa do governo federal para a urbanização de favelas: 50 (72,5%) dos 69 projetos em implantação desde 1999 estão nessas regiões, sendo 43 deles naquelas entre 100.001 e 500 mil habitantes.
Em 2003, segundo informações do Ministério das Cidades, foram gastos R$ 120 milhões no programa, lançado ainda na gestão FHC -que investiu R$ 62 milhões. Em 2004, serão mais R$ 110 milhões.
A quantidade de famílias que serão beneficiadas no projeto até 2005 (54 mil), porém, ainda é pequena em relação à quantidade de domicílios cadastrados em favelas (2,4 milhões no país, sendo 1,7 milhão nas maiores cidades).
"Não cobre nem o crescimento vegetativo [de favelados]", afirma Pedro Taddei Neto, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP (Universidade de São Paulo). Ele diz que a maioria dos municípios não tem hoje condições de fazer investimentos em habitação. Defende que a política de construção de unidades -que requer mais recursos- fique a cargo de Estados e da União. Às prefeituras caberiam as ações de urbanização.
A urbanização de favelas consiste na reestruturação das áreas, com a implantação de redes de abastecimento, esgoto e energia, abertura e ampliação de ruas e regularização fundiária, entre outras melhorias no entorno, para melhorar as condições de vida desses moradores, recuperando os espaços públicos e privados.
Entre as vantagens dessa opção habitacional está a social, ao preservar os relacionamentos já existentes e organizados entre os moradores, evitando levá-los para lugares sem nenhuma harmonia com a vizinhança.
Segundo Inês Magalhães, diretora do departamento de urbanização e assentamentos precários da Secretaria Nacional da Habitação do Ministério das Cidades, uma segunda vantagem é a econômica: sai mais barato do que a construção de novas unidades (que podem comprometer a renda dos mais pobres) e não interfere no custo de vida dessa população (evitando que ela seja deslocada para longe do trabalho e não consiga nem mesmo bancar as despesas com transporte).
A vantagem urbanística é que, além de evitar a periferização, a presença de equipamentos públicos e a regularização do terreno elevam a auto-estima e a sensação de segurança desses moradores, que ficam mais dispostos a investir em melhorias das habitações.
"Mas tudo depende da característica de cada lugar e de cada favela. A urbanização depende do tipo de terreno e das condições de risco e de saúde pública na área", ressalva Sônia Oliveira, socióloga do IBGE, para quem todos os programas habitacionais citados pelas prefeituras na pesquisa "têm sua devida importância".
Taddei Neto diz temer que a urbanização de assentamentos seja encarada pelos governos apenas como um investimento em infra-estrutura. Para ele, "é indispensável" ela ser acompanhada da reconstrução das unidades. "Para fazer uma habitação onde haja um espaço para a intimidade do casal, por exemplo", afirma.
Inês Magalhães diz que a urbanização muitas vezes precisa ser acompanhada de algumas remoções, principalmente quando há um adensamento das moradias.
A secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, aponta que um dos problemas enfrentados nas regiões que receberam urbanização é a falta de manutenção do poder público.
Maricato, que em 2000 participou de um estudo realizado pelo LabHab (Laboratório de Habitação da USP) em oito favelas de cinco municípios (São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Goiânia e Diadema), afirmou que é comum a prefeitura realizar obras, mas abandonar a área depois.
"Nos bairros, há a necessidade contínua de manutenção, como podas, remoção de lixo, tapa-buracos. Na favela, a prefeitura não mantém esses serviços."



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