São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2001

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A culpa é da genética

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA


A comerciante Clara*, 44, dona de uma locadora de vídeos, sonhou que o marido a traía com uma funcionária. "Pouco tempo depois, peguei os dois no escritório em uma cena igualzinha à do sonho. Disse apenas: "Desce daí, que eu vou te arrebentar todo". Você intui, sente, quando algo errado está acontecendo, é impressionante", diz Clara, que continua casada com o mesmo marido. Será que é possível perceber inconscientemente a traição? Para o psicólogo norte-americano David Buss, professor da Universidade do Texas, sim, é possível. Ele é autor do livro "A Paixão Perigosa", sobre o ciúme, escrito a partir de pesquisas feitas em 37 países de seis continentes. Entre várias teses polêmicas, Buss sustenta que o ciúme é tão necessário quanto o amor e o sexo e que, na maioria das vezes, onde há fumaça há fogo. Ou seja: se alguém desconfia do parceiro, deve ficar atento. "Não dá para provar que, sempre que alguém tem ciúme, há razão para isso. Mas existem muitas evidências científicas de que as pessoas percebem inconscientemente sinais de traição", diz Buss, cujo livro é a leitura de cabeceira da personagem Ciça (Julia Feldens) na novela "Laços de Família". Buss é adepto da chamada psicologia evolucionista, uma corrente que associa as teorias do naturalista Charles Darwin (1809-1882) ao comportamento humano. Por essa linha de interpretação, graças a ancestrais ciumentos, conseguimos preservar o nosso patrimônio genético. "Ciúme faz parte da natureza humana. Existe porque tem uma função, a de alertar sobre ameaças reais dos nossos rivais reais. No passado, aqueles que não ligaram para os comportamentos sexuais de seus parceiros... bom, não se tornaram nossos ancestrais", afirma Buss, que adverte, porém, para o potencial destrutivo do ciúme ("Por isso, chamei de "paixão perigosa"). Homens teriam mais ciúme de "traições sexuais"; as mulheres, de "traições afetivas", que implicam uma certa dose de romantismo. O motivo: se a parceira está grávida de outro homem, o marido não perpetua sua herança genética e ainda corre o risco de investir seus recursos na criação do filho de outrem; para a mulher, o envolvimento emocional do parceiro traz o risco de ver os recursos dele desviados para outra família. Para os seguidores de Sigmund Freud (1856-1939), essas interpretações beiram o nonsense. O psicanalista Renato Mezan acha uma "tolice completa" dizer que o inconsciente percebe a traição. "Atribuir o ciúme a uma pré-ciência da traição é absurdo. O ciumento quer controlar o outro, possuí-lo, dominá-lo. Ele pode ser uma projeção da pessoa mal-amada no outro", diz. Para Mezan, se o inconsciente tem algum papel nessa história, é do lado de quem trai. "A pessoa dá bandeira sem querer", afirma. Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP, emenda: "Muitas vezes, o traidor dá pistas porque sente culpa, ele quer ser pego". A psicanalista acha que os sonhos e as visões que os traídos têm são decorrência de uma certa obsessão. "Como ele está pensando naquilo o dia todo, acaba imaginando cenas." Mesmo assim, ela acredita que os sinais da traição são mais concretos do que imaginários: "Só não enxerga a traição quem não quer. O humor de quem trai muda, o jeito, o olhar. Até no trabalho ele parece diferente", afirma. No caso da secretária Cláudia*, 36, os sinais vieram em série. Ela achou estranho quando o marido começou a evitá-la na cama e passou a inventar compromissos de última hora; ele pediu a ela também que economizasse nas despesas da casa. "Há seis meses, contratei um detetive para saber o que havia. Demos o flagrante na porta de um supermercado: ele estava fazendo compras para a outra mulher, para a qual tinha montado uma casa. Na verdade, eu já sabia, mas precisava ver. E vi", conta. * Nomes fictícios
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