São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2008

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No legendário Carnaval de Veneza, até Eva tem de usar roupa, muita roupa

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM VENEZA

É visível a olho nu a imensa diferença entre o Carnaval de Veneza e o do Brasil: no Brasil, qualquer mulher que se apresente fantasiada de Eva levará, no máximo, um tapa-sexo. Na legendária Piazza San Marco, em Veneza, uma mulher subiu ontem ao palco para a escolha da melhor máscara do Carnaval 2008 com um tapa-tudo.
Até a cabeça estava tapada. A saia, graças ao saiote por baixo, dava a volta ao corpo todo e chegava ao sapato, e só dava para entender que de uma Eva se tratava porque levava na mão uma grande maçã de plástico.
Fácil de explicar a diferença: quando o concurso começou, às 15h (12h em Brasília) fazia 7C na praça de San Marco, além de tudo batida pela umidade legada pela chuva da véspera e da manhã. Temperatura bem acima, é verdade, do que é habitual no inverno, mas, assim mesmo, nada convidativa à nudez.
Bunda mesmo, no Carnaval de Veneza, só se viu uma: pintada no paletó do apresentador do desfile.
Na verdade, o concurso de máscaras é de fantasias, mais que de máscaras, uma espécie de combinação dos velhos e virtualmente extintos desfiles de fantasia no Brasil, nas duas categorias: luxo e originalidade.
Ontem, ganhou a originalidade de uma fantasia batizada pelos apresentadores de "Luna Park", que os brasileiros apaixonados pelo boxe conhecem como ginásio de Buenos Aires que foi, em tempos melhores, o grande templo de lutas épicas.
Na Itália, trata-se de um parque de diversões, tanto que o pé da saia da ganhadora era um carrossel.
Segunda grande diferença entre os dois carnavais: no Brasil, as escolas de samba são uma multidão. Em Veneza, há uma multidão de escolas de samba de uma pessoa só.
Um de cada três turistas, pouco mais ou menos, usa uma alegoria. Como foram, no fim de semana, algo em torno de 50 mil (a metade dos que vieram o ano passado), dá para dizer que havia na praça de San Marco cerca de 16 mil, 17 mil escolas de samba unipessoais.
Pode ser apenas uma pintura no rosto, reproduzindo detalhes das máscaras que são uma das marcas registradas da cidade e se vendem a no mínimo 10 em nove de cada dez lojas e nas barraquinhas de camelôs- sim, também há camelôs no Carnaval de Veneza. Pode também ser um multicolorido chapéu de arlequim.
Ou pode ser uma máscara, majoritariamente venezianas, mas não necessariamente: havia até um Bill Clinton rumando apressado para a praça de San Marco, o centro da ferveção (ou, mais apropriadamente, da "gelação", que não há como ferver nesta época do ano. Nem quando o serviço de som ataca com um pout-pourri de sons brasileiros, mais antigos até do que Clinton, o marido).
Há, por fim, quem se anime a vestir traje completo, em geral dos antigos nobres venezianos, donos de uma cidade em que o Carnaval durava mais de dois meses, de 26 de dezembro à terça-feira gorda. Neste ano, começou dia 25 de janeiro.
Os que usam fantasia completa vivem seus 15 minutos de fama ou um pouco mais. Ficam posando a cada passo para os demais turistas, aqueles que não usam outro adereço que não seja a máquina fotográfica.
Turistas sem fantasia tiram fotos de turistas fantasiados, abraçados com policiais, que usam uma capa amarela, com a identificação "polizia locale" bem nítida. Não é fantasia, embora possa parecer. É uma maneira de a polícia chamar a atenção para a sua presença, reforçando o aviso que aparece de tempos em tempos no telão da praça: "A polícia de Veneza está presente 24 horas para garantir a sua segurança no Carnaval".
Parece o Carnaval brasileiro?


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