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No legendário Carnaval de Veneza, até Eva tem de usar roupa, muita roupa
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM VENEZA
É visível a olho nu a imensa
diferença entre o Carnaval de
Veneza e o do Brasil: no Brasil,
qualquer mulher que se apresente fantasiada de Eva levará,
no máximo, um tapa-sexo. Na
legendária Piazza San Marco,
em Veneza, uma mulher subiu
ontem ao palco para a escolha
da melhor máscara do Carnaval
2008 com um tapa-tudo.
Até a cabeça estava tapada. A
saia, graças ao saiote por baixo,
dava a volta ao corpo todo e
chegava ao sapato, e só dava para entender que de uma Eva se
tratava porque levava na mão
uma grande maçã de plástico.
Fácil de explicar a diferença:
quando o concurso começou, às
15h (12h em Brasília) fazia 7C
na praça de San Marco, além de
tudo batida pela umidade legada pela chuva da véspera e da
manhã. Temperatura bem acima, é verdade, do que é habitual
no inverno, mas, assim mesmo,
nada convidativa à nudez.
Bunda mesmo, no Carnaval
de Veneza, só se viu uma: pintada no paletó do apresentador
do desfile.
Na verdade, o concurso de
máscaras é de fantasias, mais
que de máscaras, uma espécie
de combinação dos velhos e virtualmente extintos desfiles de
fantasia no Brasil, nas duas categorias: luxo e originalidade.
Ontem, ganhou a originalidade de uma fantasia batizada pelos apresentadores de "Luna
Park", que os brasileiros apaixonados pelo boxe conhecem
como ginásio de Buenos Aires
que foi, em tempos melhores, o
grande templo de lutas épicas.
Na Itália, trata-se de um parque de diversões, tanto que o pé
da saia da ganhadora era um
carrossel.
Segunda grande diferença
entre os dois carnavais: no Brasil, as escolas de samba são uma
multidão. Em Veneza, há uma
multidão de escolas de samba
de uma pessoa só.
Um de cada três turistas,
pouco mais ou menos, usa uma
alegoria. Como foram, no fim
de semana, algo em torno de 50
mil (a metade dos que vieram o
ano passado), dá para dizer que
havia na praça de San Marco
cerca de 16 mil, 17 mil escolas
de samba unipessoais.
Pode ser apenas uma pintura
no rosto, reproduzindo detalhes das máscaras que são uma
das marcas registradas da cidade e se vendem a no mínimo
10 em nove de cada dez lojas e
nas barraquinhas de camelôs-
sim, também há camelôs no
Carnaval de Veneza. Pode também ser um multicolorido chapéu de arlequim.
Ou pode ser uma máscara,
majoritariamente venezianas,
mas não necessariamente: havia até um Bill Clinton rumando apressado para a praça de
San Marco, o centro da ferveção (ou, mais apropriadamente, da "gelação", que não há como ferver nesta época do ano.
Nem quando o serviço de som
ataca com um pout-pourri de
sons brasileiros, mais antigos
até do que Clinton, o marido).
Há, por fim, quem se anime a
vestir traje completo, em geral
dos antigos nobres venezianos,
donos de uma cidade em que o
Carnaval durava mais de dois
meses, de 26 de dezembro à
terça-feira gorda. Neste ano,
começou dia 25 de janeiro.
Os que usam fantasia completa vivem seus 15 minutos de
fama ou um pouco mais. Ficam
posando a cada passo para os
demais turistas, aqueles que
não usam outro adereço que
não seja a máquina fotográfica.
Turistas sem fantasia tiram
fotos de turistas fantasiados,
abraçados com policiais, que
usam uma capa amarela, com a
identificação "polizia locale"
bem nítida. Não é fantasia, embora possa parecer. É uma maneira de a polícia chamar a atenção para a sua presença, reforçando o aviso que aparece de
tempos em tempos no telão da
praça: "A polícia de Veneza está
presente 24 horas para garantir
a sua segurança no Carnaval".
Parece o Carnaval brasileiro?
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