São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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JUSTIÇA

Para desembargador, penas alternativas não são adotadas porque o Estado não fiscaliza os menores em liberdade provisória

Ação na Febem é relevante, diz juiz do TJ

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O desembargador Caetano Lagrasta Neto, 61, do Tribunal de Justiça de São Paulo, entende que as medidas propostas pelo governo do Estado para a crise da Febem -como a volta dos menores às cidades de origem e a fixação de prazos de internação- são relevantes. Mas diz que "estamos num beco sem saída". Os juízes não adotam penas alternativas porque o Estado não fiscaliza os menores em liberdade provisória.
Lagrasta foi juiz criminal de menores em Guarulhos, de 1977 a 1981. Ele critica o fato de o Estado de São Paulo não ter defensoria pública. E prega "o sistema rígido de controle de liberdade assistida". Secretário-executivo do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, diz que o Judiciário estadual perdeu o poder de pressão sobre o Executivo estadual desde que os governadores passaram a ser julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Folha - Qual a medida mais importante no pacote anunciado pelo Estado para a crise da Febem?
Caetano Lagrasta Neto -
O menor poder voltar para perto da família. Desde que os juízes, as autoridades e a comunidade no interior tenham meios de recebê-lo, de dar instrução e dar profissão.

Folha - E quanto à fixação de prazos de internação na Febem?
Lagrasta -
Também é relevante. Ninguém pode ficar detido por tempo indeterminado. Sabendo que há uma perspectiva de sair, o menor se prepara. Seria o começo. É melhor do que dar dinheiro para a família. O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] tem um artigo prevendo que o menor pode ser trancafiado, mas não estabelece por quanto tempo. Então, às vezes, ele é esquecido lá.

Folha - Por que ele é esquecido?
Lagrasta -
Porque um Estado como São Paulo não tem defensoria pública. E o Estado acha preferível pagar assistência judiciária a ter uma defensoria pública, um princípio constitucional. Ninguém se rebela contra isso...

Folha - Como funciona hoje?
Lagrasta -
Você tem o procurador do Estado, que é um bom advogado, defendendo milhares de pessoas. Numa comarca pequena, o juiz indica o advogado, que recebe um subsídio. Há um convênio entre a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e a Procuradoria Geral do Estado. O Estado paga o convênio com dinheiro que deveria ser recolhido à Justiça.

Folha - E quanto à construção de novas unidades?
Lagrasta -
É para instrução profissional? Se for para fazer novos depósitos de presos, sou contra.

Folha - A carência de recursos compromete o trabalho da Justiça no acompanhamento do menor?
Lagrasta -
Isso é uma responsabilidade do Estado, não é nossa. O menor tem que ter direito a um defensor público e tem que ter direito a um exame psiquiátrico. Uma infra-estrutura que permitisse ao juiz condenar, mas com absoluta confiança, sabendo se ele realmente tem desvio de comportamento, se tem debilidade mental. Como vão cuidar do menor não é um problema do Judiciário.

Folha - Qual a importância de a Febem ser dirigida atualmente por um secretário de Justiça?
Lagrasta -
Finalmente, o secretário da Justiça [Alexandre de Moraes], agora na presidência da Febem, percebeu que "a culpa" não é toda do Judiciário. O drama hoje é "descentralizar". Centralizou porque o juiz no interior tem menos condições do que na capital.

Folha - Como era na sua época?
Lagrasta -
Quando eu era juiz de menores, havia um verdadeiro estelionato verbal. O juiz conversava com a família, dava um jeitinho para o menor ficar quietinho. Uma semana, 15 dias depois, voltavam todos para o Fórum.

Folha - O sr. escreveu, há dez anos, que o juiz termina conivente com o delito da criança ou abarrota os reformatórios. O que mudou?
Lagrasta -
Eu tenho a impressão que piorou. Você começou a juntar menores com quase maiores. O menor é responsável na medida da sua responsabilidade. Mas isso deve ser apurado de forma multidisciplinar, com psicólogos, psiquiatras. Não é um juiz entrevistando o sujeito em cinco minutos.

Folha - O sr. já disse que seria desnecessário encarcerar o ladrãozinho que roubou o relógio, colocando-o em regime fechado. Como evitar a primeira internação?
Lagrasta -
Se o Estado der condições para o juiz aplicar penas alternativas, tudo bem. Os juízes têm uma certa resistência. Não aplicam porque não há uma fiscalização. De que adianta colocar o menor num regime alternativo, se o Estado não fiscaliza? Ninguém se preocupa em ver como estão os pais. Qual é a condição que eles têm para os filhos?

Folha - O sr. defendeu o júri popular para menores imputáveis. O juiz dosaria a pena. Isso não tornaria o processo mais demorado?
Lagrasta -
Tudo que a gente faz, a gente imagina um país funcionando. "Ah, mas o júri não funciona." E a Febem está funcionando? Estamos num beco sem saída. Fez-se uma reforma e não mexeram no júri. As decisões do júri são independentes. Só que não se pode jogar na mão do jurado, que é um leigo, a distribuição da pena, o que é difícil até para nós.

Folha - Como a comunidade deveria participar?
Lagrasta -
Quem emprega o egresso da Febem? Não estou falando do egresso da cadeia. As empresas preferem pagar multa.


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