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Preso enfrenta até 57ºC dentro de cadeia no Rio
Carceragem em São Gonçalo tem 578 detentos em espaço planejado para 140 pessoas
Governo estadual é notificado pela OEA para melhorar condições de
vida de presidiários na carceragem de Neves
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
O calor já atingiu 57º C, em
uma cela de 25 metros quadrados, que chegou a abrigar 112
pessoas -ou seja, 4,5 presos
por metro quadrado durante
dia e noite. Coceiras, sarna, furúnculos, pneumonia, sujeira,
ausência de luz do sol. Nas camisetas e cartazes, está escrito:
"carceragem cidadã", uma utopia que soa como deboche a seis
centenas de presos que suam
na maior das 17 unidades da Polícia Civil que ainda hoje abrigam cerca de 3.000 presos no
Estado do Rio de Janeiro.
Quase um ano antes de a situação prisional do Espírito
Santo ser denunciada à ONU,
no último dia 15, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos
Estados Americanos) notificou
o governo do Rio sobre a carceragem de Neves, em São Gonçalo, a 25 km do Rio. O Fórum
de Luta pelos Direitos Humanos fez manifestação na semana passada, pelo fechamento
das carceragens.
Desde 2009, a situação está
menos ruim, mas, na definição
do delegado Orlando Zaccone,
responsável pelas unidades de
presos da Polícia Civil, "aqui
para ficar "uma merda" precisa
melhorar muito".
Em visita à carceragem, a Folha viu 578 presos no local, que
comporta 140. As carceragens
são usadas para a guarda de
presos enquanto não há vagas
no sistema penitenciário. Eles
deveriam ficar em casas de custódia, mas não se inaugura nenhuma no Rio desde 2005.
No ambiente abafado, pouco
atenuado por inúmeros ventiladores amarrados às grades
das galerias -entre roupas,
poeira e sujeira nas barras- os
detentos de sorte se espremem
com um colega nas 14 "comarcas" (camas de alvenaria em
forma de beliches) por cela, todas sem janelas. Os mais antigos têm prioridade. "Todo
mundo é bandido da mesma
forma", disse Antônio, liderança do Comando Vermelho.
O ar é pesado. Rapidamente a
pele fica suada e grudenta. Nas
celas lotadas é ainda mais sufocante. "Já chegou a 57C neste
verão", contou o chefe de custódia, Sidnei Santos.
A superpopulação é de quatro vezes o número de vagas nas
dez celas de 25 m2. "Está "ótimo" e vazio hoje [em comparação com o normal]. Já chegou a
ter 112 por cela: a ginástica era
um ficar em um pé só enquanto
o outro dormia embaixo", disse
o francês Pierre Yves, voluntário da ONG Rio de Paz, que elogia a melhora.
As doenças mais comuns são
as de pele. Há relatos de duas
mortes por pneumonia em
2008. Nesse ambiente, exposto
a infecções, um preso tinha
aparelho ortopédico metálico
atrelado a uma perna.
As distrações são baralho,
dominó e artesanato -vasos e
enfeites de papel e cola.
Projeto
Apesar dos problemas, a carceragem já foi pior, relatam policiais, presos e voluntários. Como resultado da notificação da
OEA, o governo fez mudanças.
Uma é a construção de área
murada aberta no teto, para banho de sol. Atualmente, eles ficam 24 horas na área interna
-"é torturante", diz Zaccone-,
sem luz do sol. "É maquiagem,
mas já melhora", reconhece o
delegado. Estuda-se usar
exaustores.
Os presos dizem que acabou
o "esculacho" na gestão de Zaccone, premiado por implantar
biblioteca e cineclube na carceragem. Hoje a fachada e camisetas em Neves têm o slogan
"carceragem cidadã". Ainda um
desejo. Os presos podem circular na galeria, as celas ficam
abertas o dia inteiro.
As carceragens -sem assistência médica ou defensoria no
local- contrastam com o sistema penitenciário, que não tem
superlotação, segundo o secretário César Rubens Carvalho
-22.610 presos para 20 mil vagas. Carvalho admite que faltam na polícia "características
próprias ou estrutura para se
cumprir pena" e prevê inaugurar três cadeias públicas até o
fim do ano. Em 2009, prometeu resolver o problema no
meio de 2010. Pouco mudou.
Carvalho disse aceitar absorver presos das carceragens. "O
sistema pode ficar superlotado
e o preso terá de dormir no
chão, em colchão." Para Zaccone, já seria uma melhora.
"A Seap mantém e controla
isso dizendo quantos presos vai
receber. Aqui só é ruim para garantir o bom funcionamento de
lá. Mas o Estado está disposto a
abrir mão da segurança por direitos individuais dos presos?",
questiona o delegado. "Só tem
um jeito: é acabar com as carceragens da polícia, fechar tudo",
disse o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que acompanha a situação prisional há
20 anos.
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