São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BARBARA GANCIA

O meu leitor mais importante

Quando vi a foto da bandeira a meio mastro, na entrada do Palácio do Planalto, não resisti e chorei feito criança

TINHA ACABADO DE LER a notícia na internet, e ainda estava atordoada diante da tela do computador, no domingo à tarde, quando uma colega da Bandnews FM (onde também sou colunista) ligou pedindo que eu desse um depoimento sobre a morte de Octavio Frias de Oliveira.
Disse que falaria, mas que antes precisava me recompor, e levei um tempão até estar segura de que conseguiria dizer mais que duas palavras sem cair em prantos. Seu Frias morreu às 15h25, e eu só consegui entrar no ar às 20h.
No dia seguinte, no velório, a quantidade de funcionários de todos os escalões, ex-funcionários e amigos da família com os olhos inchados de choro era impressionante. Quem já viu a morte de um senhor de 94 anos causar tamanha tristeza?
No meu depoimento à Bandnews FM, contei que um dia recortei do jornal uma foto do seu Frias (é uma imagem do publisher da Folha sorridentíssimo, como sempre, na década de 70, diante da maquete de uma máquina rotativa), que a colei na parede e que todos os que entram na minha casa pela primeira vez perguntam: "E esse aí, quem é?"
Que eu tenha uma foto do meu patrão na parede da minha casa diz mais sobre ele do que sobre mim. De patrão a gente geralmente não gosta, apenas respeita. Mas, depois de 22 anos na Folha, ainda estou para conhecer alguém que tenha passado pelo prédio da alameda Barão de Limeira e não seja fã do seu Frias.
Que as pessoas que entram na minha humilde morada não conheçam as feições do publisher do maior jornal do país é outro dado que diz muito sobre o seu Frias, um homem sem frivolidades que raramente concedia entrevistas.
Ao longo desta semana, muita gente veio falar comigo sobre Octavio Frias de Oliveira. Vizinhos que cruzei no elevador me deram os pêsames, amigos do outro lado do mundo, que sabiam da minha paixão por ele, telefonaram para expressar seus sentimentos, e até minha sobrinha, de 22 anos, ligou para me consolar e dizer: "Puxa, tia, sabia que você gostava dele, mas não tinha idéia de que o teu patrão era uma pessoa tão importante". Como minha sobrinha, a maioria, e até o público leitor da Folha, não tinha idéia.
Mas quem trabalha na imprensa ou esteve empenhado -desde 1962, quando Frias comprou a Folha de S. Paulo em sociedade com Carlos Caldeira Filho e Caio Alcântara Machado-, em construir a democracia brasileira sabe muito bem da importância e da trajetória deste homem singular.
Por estar entre os que conhecem o significado da obra do seu Frias, eu me sinto honrada. Duplamente honrada em lembrar que, toda vez que nos encontrávamos, ele abria um sorriso maroto e dizia: "Sou seu leitor, viu?" Eu sempre respondia, em tom de brincadeira: "O único que realmente conta, seu Frias".
Tenho a impressão de que Octavio Frias de Oliveira ia se incomodar com as homenagens prestadas a ele ao longo desta semana e as tantas que ainda virão. Mas confesso que, quando vi a foto da bandeira nacional a meio mastro, na entrada do Palácio do Planalto, em sinal de luto por ele, não resisti e chorei feito criança de colo. Foi um privilégio ter um leitor tão extraordinário.

barbara@uol.com.br


Texto Anterior: Depois de quebrar patente, Tailândia sofre retaliações
Próximo Texto: Qualidade das praias: Praias paulistas estão em boas condições de banho, diz Cetesb
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.