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ENTREVISTA DA 2ª
CAMILO DA SILVA OLIVEIRA
Governo do Estado só me atrapalha
Camilo Oliveira, diretor da melhor escola estadual de SP no Enem, afirma que o colégio se destacou por méritos próprios
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
O DIRETOR DA MELHOR
escola da rede estadual
de São Paulo no Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio) afirma que
seu colégio se destacou
no sistema "apesar" dos
governos. "O Estado só
me atrapalha", afirma
Camilo da Silva Oliveira,
57, que dirige a escola Lúcia de Castro Bueno, em
Taboão da Serra (Grande
São Paulo).
Formado em história
pela USP, Oliveira dirige
a unidade há 22 anos. Ele
conta que criou um currículo próprio, uma vez que
a rede estadual não tinha
algo semelhante, e não
utiliza programas do governo como formação de
professores, salas de informática ou atividades
como feira de ciências.
Prestes a se aposentar,
o diretor diz não ver "caminho" para a escola pública, que dependerá "de
talentos isolados".
Abaixo, a entrevista feita com
Oliveira na última quinta-feira,
em que ele abordou como funciona seu colégio, primeiro da
rede estadual paulista, mas
apenas o 2.596º melhor do país
(média 58,5, em 100 pontos).
A Secretaria da Educação do
governo José Serra (PSDB) não
quis comentar as críticas.
FOLHA - Por que a escola teve a melhor nota da rede no Enem?
CAMILO DA SILVA OLIVEIRA - É um
trabalho de 22 anos, que resistiu a sucessivas trocas de governo e de secretários.
FOLHA - No dia-a-dia, o que a sua
escola tem de diferente?
OLIVEIRA - Um eixo pedagógico,
o rol de conteúdos [currículo],
uma sequência de conteúdos.
Fui pesquisar, porque o Estado
não tinha subsídio para isso.
Pesquisei escolas particulares e vestibulares de ponta. O
Estado nem desconfiava desse
rol. E hoje, 20 anos depois, ainda nem desconfia [o currículo
começou a ser implementado
na rede estadual em 2008].
Cada governo tem um modismo. Por exemplo, se fala em
escola de tempo integral quando a escola não consegue funcionar quatro horas diárias [excesso de aulas vagas].
Tem também o projeto de informática, uma bobagem. Se tenho 17 máquinas e 40 alunos, o
que os outros 23 ficarão fazendo? Posso bolar um esquema
para fora do período, mas sem
achar que irá melhorar a qualidade de ensino.
FOLHA - O sr. então tem uma escola que não segue a rede.
OLIVEIRA - Aqui é uma escola
maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão
Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem
sabe o que é rol de conteúdos
[Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já
não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou
excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e
tirei a escola disso.
No governo Serra, temos o
terceiro secretário em dois
anos e meio. Se o meu projeto
dependesse do governo, estaria
esfacelado. A menina do Mackenzie [Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos, primeira secretária da gestão José
Serra] era bem intencionada,
mas não conseguiu nada.
A segunda [Maria Helena
Guimarães de Castro] eu respeito porque sabe que escola é
avaliação. E sabe que para avaliar precisa de um rol de conteúdos. Mas teve problemas de
gestão. Por exemplo, a prova de
temporários era uma boa ideia.
Mas a implementação foi péssima, sem preparo jurídico, o que
melou o sistema. Ou seja, o governo não tem a menor ideia do
que fazer com as escolas.
Deveríamos nos preocupar
com o que realmente interessa,
que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam
mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É
uma inversão. É triste, porque
se é esse caos em São Paulo,
imagina nos outros Estados.
Nem as universidades conhecem a rede. Ganhei da Escola de Aplicação da USP [que
ficou em 3.293º lugar no ranking nacional], por exemplo. E
a esquerda até hoje acha que a
democracia é o principal debate para a escola. Você pega o PT,
eles estão discutindo eleição
para diretor de escola. Uma bobagem. Deveria pegar os melhores quadros para dirigir a escola. Isso aqui não é sindicato.
Estou me aposentando e não
vejo caminho. A escola pública
vai continuar dependendo de
talentos isolados. O Estado só
atrapalha. Aquelas que seguiram a linha, se esfacelaram.
FOLHA - O sr. sofre retaliações?
OLIVEIRA - Nenhuma. Conheço
o ofício. Os pais sabem que essa
escola funciona, daí vem o
apoio. No começo, senti pressão. O supervisor vinha e falava:
"Como não vai mandar os professores para formação?". Eu
dizia: "Vou chamar a imprensa
e explicar que os alunos vão ficar sem aulas." Eles desistiam
de me pressionar. Mas era um
sobressalto constante.
FOLHA - Como o sr. avalia o corpo
docente da sua escola e da rede?
OLIVEIRA - Aqui o pessoal é qualificado. Gente da USP, PUC, do
Mackenzie. É uma nata que
gostou do trabalho. Aqui se
consegue dar aula, raridade na
rede. Foi uma seleção natural
ao longo dos anos.
FOLHA - Quanto ganham seus professores?
OLIVEIRA - Os mais novatos,
com cinco anos de experiência,
uns R$ 1.700, a média do Estado. Eu sou um diretor de 30
anos, que vai se aposentar na
casa dos R$ 3.000.
FOLHA - Há pesquisas que mostram que o salário da rede estadual
paulista não é ruim. O sr. concorda?
OLIVEIRA - Em cidades do interior, o salário de professor é o
maior da cidade. Mas o Estado
deve atrair melhores quadros.
O salário não é compatível.
FOLHA - Como o sr. avalia a estrutura física da sua escola?
OLIVEIRA - Não consigo uma reforma porque não participo das
reuniõezinhas, não vou lá ficar
bajulando. Eu percorria gabinete de deputado para pedir reforma. Desisti. É indigno para
um diretor.
FOLHA - Qual a principal ação para
melhorar o ensino público?
OLIVEIRA - Gerência. Precisa ser
técnica, trabalhar currículo,
diagnóstico. Até trazer gente da
iniciativa privada. Ou colocar
os diretores das melhores escolas na gestão do sistema.
FOLHA - O que o sr. acha do novo
secretário, Paulo Renato Souza?
OLIVEIRA - Tenho simpatia pela
trajetória dele. Mas ele se tornou político. O problema é saber se o objetivo dele é eleger o
Serra presidente ou melhorar o
ensino. Se ele chegou apenas
com visão política, as escolas
vão seguir esfaceladas, sem
conteúdos. Ele vai ser mais um.
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