São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2000


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EDUCAÇÃO
Segundo pedagoga, objetivo do projeto é desenvolver a auto-estima das crianças negras; iniciativa é inédita no país
Alunos aprendem iorubá em escola da BA

MARCOS VITA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Alunos da rede pública de Salvador estão sendo alfabetizados com a ajuda da cultura africana. A experiência didática está ocorrendo com as 350 crianças de 1ª a 4ª séries do primeiro grau da escola Eugênia Anna dos Santos. De acordo com o Conselho Nacional de Educação, a iniciativa é inédita no país.
A escola, que fica no terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, resolveu sistematizar, há dois anos, o ensino da cultura africana por meio de projetos pedagógicos relacionados ao tema e, também, adotar livros didáticos que valorizam o negro.
Os alunos, quase todos negros e moradores das comunidades vizinhas ao terreiro, aprendem a história, noções da língua do povo iorubá e parábolas de mitos e orixás africanos.
O povo iorubá habita a Nigéria e uma parte deles chegou à Bahia há quatro séculos como escravos.
As crianças da escola têm, entre outros hábitos, o de saudar o visitante com sonoros "kuawró" e "kabó", que significam "bom dia" e "seja bem-vindo", respectivamente, em iorubá.
Os oito professores da escola realizam reuniões quinzenais para avaliar o conteúdo pedagógico desenvolvido com os alunos.
A capacitação deles para a cultura africana é feita em parceria com o núcleo de estudo de teatro popular da Escola de Belas Artes da UFBa (Universidade Federal da Bahia).

Auto-estima
"A proposta é reconstruir a imagem do negro para essas crianças e desenvolver a auto-estima delas como cidadãs negras. Para isso é como se tivéssemos que desarmar uma bomba por dia", afirma a pedagoga Vanda Machado, idealizadora do projeto.
Ela cita como exemplo de dificuldade a falta de livros didáticos recomendados pelo MEC com os quais se pode trabalhar a auto-estima da criança negra.
"As fotografias mostram o negro sempre sujo e na miséria, enquanto o branco é feliz e tem aspecto limpo e de riqueza. Como resultado, quando mostramos o desenvolvimento do povo iorubano, nem os professores acreditam", revela Vanda.
Para resolver o problema da falta de material didático, a escola está desenvolvendo seus próprios livros, que contêm histórias do povo iorubá e da comunidade que habita o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. "Desta forma, a cultura afro entra contextualizada nas histórias, em peças teatrais e em números musicais desenvolvidos pelos próprios alunos", afirma a pedagoga.
Vanda já escreveu dois dos livros didáticos utilizados pela escola em parceria com o marido, o ator baiano Carlos Petrovich.
Erivaldo Conceição Pedreira, 12, estudante da 3ª série, diz adorar a cultura afro. Na escola, além de estudar, ele joga capoeira, toca atabaque e berimbau. "Acho bonitos os rituais, a ginga da capoeira Angola, o toque dos tambores", afirma o garoto.
Além do barracão onde se praticam os rituais, há também o primeiro museu do candomblé do Brasil, fundado em 1984.
Com o projeto, a pedagoga diz enxergar a chance de dar um basta na história de preconceito das escolas.
"Sofri na pele a discriminação por ser negra em uma escola convencional. Por isso em cada uma dessas crianças há a esperança de acabar com essa tradição de preconceito", afirma ela.
Mais informações sobre a escola podem ser obtidas no site escolaeugeniaanna@zipmail.com.br.


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