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PASQUALE CIPRO NETO
"Ecos do ão"
Enquanto ecoa pelo país
o "Pentacampeão!", minha
mente viaja e se lembra de uma
bela letra da moderna canção
brasileira, "Ecos do Ão", de Lenine e Carlos Rennó: "Rebenta na
Febem rebelião/ um vem com um
refém e um facão/ a mãe aflita
grita logo: não!/ e gruda as mãos
na grade do portão/ aqui no caos
total do cu do mundo cão/ tal a
pobreza, tal a podridão/ que assim nosso destino e direção/ são
um enigma, uma interrogação/ e,
se nos cabe apenas decepção,/ colapso, lapso, rapto, corrupção?/ e
mais desgraça, mais degradação?/ concentração, má distribuição?/ então a nossa contribuição
não é senão canção, consolação?/
não haverá então mais solução?/
não, não, não, não, não.../ (...)
mas, se nós temos planos, e eles
são/ o fim da fome e da difamação/ por que não pô-los logo em
ação?/ tal seja agora a inauguração/ da nova nossa civilização/
tão singular igual ao nosso ão/ e
sejam belos, livres, luminosos os
nossos sonhos de nação".
Quanto ao conteúdo, a letra
dispensa comentários. Como diria Belchior, "ao vivo, é muito
pior". Concentremo-nos, pois,
num dos aspectos formais do texto. O leitor certamente notou que
à triste e dura temática foi associado um dado linguístico importante: o "ão" ("tão singular igual
ao nosso ão"). Eis um belo exemplo de como é possível unir forma
e conteúdo. Em outras palavras,
os autores pregam a idéia de que
a solução de nossos problemas deve ter nossa marca.
Mas o "ão" nem sempre é solução. Guimarães Rosa já dizia que
"pão ou pães, é questão de opiniães". Em rigor, Guimarães tem
razão, uma vez que são as "opiniães" dos usuários que estabelecem que o plural de "mão" seja
"mãos", que o de "cão" seja
"cães" e que o de "coração" seja
"corações".
Mas a coisa nem sempre é tão
simples assim. Atire a primeira
pedra aquele que nunca se viu
perdido diante do plural de alguma palavra terminada em "ão"!
Genericamente, essas palavras fazem o plural em "ões" (portão/
portões, sabão/sabões etc.), mas
não são poucas as que o fazem em
"ães" (alemão/alemães, pão/
pães) ou "ãos" (grão/grãos, mão/
mãos). Na dúvida, a melhor saída
é mesmo um dicionário.
Bem, sobre essa história do
"ão", parece conveniente pôr o
dedo numa questão importante:
se o "nosso" da letra de "Ecos do
Ão" ("tão igual ao nosso ão") se
refere à língua dos brasileiros, refere-se à de todos os lusoparlantes. Posto isso, não resisto à tentação de lembrar que, em Portugal,
terminam em "ão" ("protão",
"eletrão", "neutrão", oxítonas)
algumas das palavras que no nosso português terminam em "on"
("próton", "elétron", "nêutron").
Como se vê, as "opiniães" vão
mais longe do que supomos.
Para encerrar, duas palavras
sobre "pentacampeão" etc. Mal
terminou o jogo contra a Alemanha, o pessoal de rádio e televisão
se pôs a falar do "hexa". "Hexa",
que vem do grego e significa
"seis", está presente em vários termos técnicos ("hexápode", "hexágono", "hexagonal" etc.). O problema é a pronúncia: o "Aurélio",
o "Vocabulário Ortográfico" e o
dicionário de Caldas Aulete recomendam que o "x" de todas essas
palavras seja lido como "cs"; o
"Houaiss" sugere que se leia esse
"x" como "z". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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