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DEPOIMENTO
"Por minutos, não pude pensar, só obedecer"
DA REDAÇÃO
Em poucas horas, ou você estará morta ou estará em casa,
salva. A idéia é aterradora, mas
me livrou de pensar em tudo
que poderia ocorrer até o desfecho, na madrugada de ontem, quando eu e uma amiga
sofremos um seqüestro relâmpago na Vila Madalena. Por
minutos não pude pensar, apenas obedecer aos dois homens,
um deles exibindo o revólver.
Era por volta da meia-noite e
meia quando nos abordaram,
na rua Fidalga com a Wizard,
após estacionarmos. Fizeram-nos voltar para o carro, um
modelo popular. Estavam nervosos. O não armado tomou o
volante, minha amiga ao lado,
eu e o sujeito do revólver atrás.
Primeiro rodamos a Vila. Pediram nossa orientação até o
largo de Pinheiros. Erraram
ruas. Chegaram à praça Panamericana. Passaram por um
carro de polícia. "Não dá bandeira. Quer tomar salpico?"
Diziam que não devíamos
nos desesperar, só obedecer.
Que só queriam uma carona,
dinheiro, celular. Para comprar
a comida das crianças, sabe?
Não sei. Em algumas horas você estará morta ou em casa. Era
tudo em que conseguia focar.
Tornei-me um perfeito robô:
respondia de forma didática e
curta a cada pergunta sobre a
senha do cartão do banco, sobre o saldo da conta. Minha
amiga disse que não tinha dinheiro na conta, e temi que eles
quisessem compensar de forma violenta. Acorri, dizendo
que na minha, embora sem
muito dinheiro, havia margem
de crédito para sacar. Isso aparentemente os contentou.
Paramos numa rua erma. O
sujeito do revólver desceu, e só
então vi um veículo que nos seguia. Passaram a ele nossos cartões com as senhas, anotadas
por nós. Partimos para Taboão
da Serra. O silêncio crescia.
Já havíamos rodado uns 40
minutos quando nos autorizaram a pegar nossos documentos. Deixaram-nos numa ruela
de Taboão, apontando para
uma avenida. Prometeram
abandonar carro e bolsas pela
manhã. Não olhamos para trás.
Pedimos ajuda numa farmácia.
Eram 5h quando cheguei em
casa. Três horas depois, a polícia liga. O carro fora achado.
Mas não inteiro. Faltavam-lhe
duas rodas, peças, ferramentas.
Levei ao mecânico, que estranhou. Disse-me que, se os seqüestradores tinham tirado as
rodas de um lado horas antes, o
peso do veículo penso deveria
ter deixado marcas no eixo nu.
Olhei. Estava incólume. Que
seja. Nós também.
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