São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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DEPOIMENTO

"Por minutos, não pude pensar, só obedecer"

DA REDAÇÃO

Em poucas horas, ou você estará morta ou estará em casa, salva. A idéia é aterradora, mas me livrou de pensar em tudo que poderia ocorrer até o desfecho, na madrugada de ontem, quando eu e uma amiga sofremos um seqüestro relâmpago na Vila Madalena. Por minutos não pude pensar, apenas obedecer aos dois homens, um deles exibindo o revólver.
Era por volta da meia-noite e meia quando nos abordaram, na rua Fidalga com a Wizard, após estacionarmos. Fizeram-nos voltar para o carro, um modelo popular. Estavam nervosos. O não armado tomou o volante, minha amiga ao lado, eu e o sujeito do revólver atrás.
Primeiro rodamos a Vila. Pediram nossa orientação até o largo de Pinheiros. Erraram ruas. Chegaram à praça Panamericana. Passaram por um carro de polícia. "Não dá bandeira. Quer tomar salpico?"
Diziam que não devíamos nos desesperar, só obedecer. Que só queriam uma carona, dinheiro, celular. Para comprar a comida das crianças, sabe? Não sei. Em algumas horas você estará morta ou em casa. Era tudo em que conseguia focar.
Tornei-me um perfeito robô: respondia de forma didática e curta a cada pergunta sobre a senha do cartão do banco, sobre o saldo da conta. Minha amiga disse que não tinha dinheiro na conta, e temi que eles quisessem compensar de forma violenta. Acorri, dizendo que na minha, embora sem muito dinheiro, havia margem de crédito para sacar. Isso aparentemente os contentou.
Paramos numa rua erma. O sujeito do revólver desceu, e só então vi um veículo que nos seguia. Passaram a ele nossos cartões com as senhas, anotadas por nós. Partimos para Taboão da Serra. O silêncio crescia.
Já havíamos rodado uns 40 minutos quando nos autorizaram a pegar nossos documentos. Deixaram-nos numa ruela de Taboão, apontando para uma avenida. Prometeram abandonar carro e bolsas pela manhã. Não olhamos para trás. Pedimos ajuda numa farmácia.
Eram 5h quando cheguei em casa. Três horas depois, a polícia liga. O carro fora achado. Mas não inteiro. Faltavam-lhe duas rodas, peças, ferramentas.
Levei ao mecânico, que estranhou. Disse-me que, se os seqüestradores tinham tirado as rodas de um lado horas antes, o peso do veículo penso deveria ter deixado marcas no eixo nu. Olhei. Estava incólume. Que seja. Nós também.


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