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PASQUALE CIPRO NETO
O acordão e o acórdão
"A pizza está na boca do
forno", vociferam alguns.
O leitor certamente sabe que me
refiro ao mais que putrefato momento da vida (vida?) nacional.
À boca pequena (e à grande, também), fala-se de um possível
"acordão", que salvaria do pelourinho os corruptos de hoje e os de
antanho. Haja estômago!
Como o meu assunto é mais leve, limitar-me-ei a eles, isto é, aos
aspectos lingüísticos da questão.
Vamos aos fatos, pois. Diga lá:
que diferença há entre "acórdão"
e "acordão"? Comecemos pelo
termo do momento, o infame
"acordão", que, embora a muitos
talvez não pareça, nada mais é do
que o aumentativo de "acordo".
O que se trama no breu das tocas
é justamente um grande acordo
entre gregos e troianos (e entre
outras turmas de "inimigos") para que tudo acabe em pizza.
O problema é que muita gente
boa anda lendo "acordão" com
tonicidade no "o" da sílaba "cor"
("acórdão"). O diabo é que a palavra "acórdão" existe -e é outra história. Trata-se de termo da
linguagem jurídica, que, de acordo com o "Aurélio", significa "decisão proferida em grau de recurso por tribunal coletivo". A definição do "Houaiss" é um pouco
mais extensa e detalhada: "Decisão final proferida sobre um processo por um tribunal superior,
que funciona como paradigma
para solucionar casos análogos".
E sabe qual é a origem de "acórdão"? Nada mais do que a substantivação de "acordam", flexão
da terceira pessoa do plural do
presente do indicativo do verbo
"acordar" (que, no caso, não tem
o sentido de "espertar" ou "despertar", mas o de "concordar").
Ai, ai, ai... Pelo jeito (sobretudo
se levarmos em conta a definição
do "Houaiss"), os que pronunciam "acordão" como "acórdão"
até que não se enganam muito...
A esta altura, convém lembrar
que se acentua "acórdão" pela
mesma razão pela qual se acentuam palavras como "órgão",
"sótão", "órfão", "bênção" etc.
Trata-se de paroxítonas terminadas no ditongo "ão". Convém
lembrar também que o plural
desses vocábulos é feito com o
simples acréscimo de "s": "órgãos", "sótãos", "órfãos", "bênçãos". O plural de "acórdão", portanto, só pode ser "acórdãos".
A ocasião talvez seja boa para
lembramos outro fato importante
sobre as terminações "ão" e "am".
Não são poucos os profissionais
de rádio e TV que se enrolam na
hora de pronunciar formas como
"treinaram" e "treinarão", "participaram" e "participarão", "enfrentaram" e "enfrentarão" etc.
Volta e meia, é um tal de "Os jogadores que enfrentaram amanhã..." ou "Os jogadores que enfrentarão ontem...". A coisa é
muito simples: as formas que terminam em "rão" são do futuro; as
que terminam em "ram" são do
pretérito perfeito. Moral da história: "Os jogadores que enfrentarão amanhã..."; "Os jogadores
que enfrentaram ontem...".
Por fim, vale lembrar que a história de "acabar em pizza" nasceu em São Paulo, salvo engano
por obra e graça do já falecido
jornalista e radialista Milton Peruzzi, que, ao comentar as eternas
e acaloradas brigas entre as facções do seu querido Palmeiras,
sempre dizia que, ao fim e ao cabo, as brigas e discussões acabariam em uma mesa de uma das
tantas cantinas das imediações
do Palestra Itália. O prato? "Una
bella pizza", é claro. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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