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WALTER CENEVIVA
Na busca do Estado laico
Não se trata de afastar de cada um o sentimento religioso, mas o de não o vincular ao Estado
AS ELEIÇÕES NA TURQUIA , com
vigorosa bipolarização entre
religião e Estado, bem como
declarações do Papa Bento 16 a respeito de denominações cristãs que,
para o pontífice, não compõem efetivamente uma religião, são dois temas, cada um a seu modo, aptos a
suscitar questões relacionadas com
a separação de religião e Estado.
A lei nš 11.481, de maio, privilegia o
que denomina "ocupações irregulares de terras públicas", quando feitas por organizações religiosas. Soma-se a projetos de lei querendo
afirmar o início da vida, em termos
jurídicos. O mesmo enquadramento
aparece nessas iniciativas. É o que
pretendo suscitar nesta coluna.
As quatro questões, embora heterogêneas, envolvem com freqüência
o questionamento da lei em face da
liberdade dos cultos, livres da intromissão estatal ante as garantias
constitucionais. Religião e Estado
devem percorrer caminhos separados, sem benefício especial para
qualquer culto ou de alguns deles
em face de outros. Dirá o leitor que
isso está na Constituição. Resposta
óbvia: no Brasil, a separação entre
religião e Estado é um mito jurídico.
Existe em alguns dispositivos legais,
mas raramente é para valer.
Evoluímos muito, já que no Império o catolicismo era a religião oficial. Cumpria funções do Estado:
acolhia as declarações de nascimento e encomendava os mortos para
seus cemitérios, em nome da religião e do Estado, em forma tão arraigada que a passagem ao Estado laico,
na República, teve breve duração.
Não há separação em muitos países -os Estados Unidos (os presidentes assumem o compromisso do
cargo com a mão sobre a Bíblia) e o
Reino Unido (a chefia da religião anglicana é exercida, mesmo formalmente, por quem ocupa o trono) são
exemplos. Na Alemanha, há formas
tributárias relativas ao financiamento da religião protestante.
A lei nš 11.481, mencionada de início, mostra que fortes influências de
cultos não católicos também têm
expressão. Serve de mostra o artigo
24, a permitir a regularização de
ocupações irregulares de imóveis da
União, por organizações religiosas,
para "suas atividades finalísticas".
Limita novas invasões -serão aceitas aquelas que ocorreram até o dia
27 de abril de 2006.
Em muitos países, a vida de quem
se diga ateu ou agnóstico gera muitas vezes dificuldade específica. É o
caso da Constituição Federal, promulgada pelos constituintes, "sob a
proteção de Deus". O contraste dos
escândalos recentes com parlamentares põe dúvida em relação à sinceridade na invocação divina. O mesmo se dizia na Argentina, até alguns
poucos anos atrás, quando o presidente da República sempre devia
confessar-se católico.
A liberdade aos cultos deveria ser
a garantia única da cidadania. Denise Oliveira Cezar, presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande
do Sul, defendeu, em seminário recente, um trabalho firme do Judiciário "para garantir a liberdade de credo", fazendo um paralelo entre o
progresso da sociedade moderna
que começou justamente na ocasião
da idéia da separação entre Estado e
igreja. Na laicidade também se preservará o direito de segmento cuja
vocação cristã não é a mesma de
Bento 16. Não se trata de afastar de
cada um o sentimento religioso, mas
o de não o vincular ao Estado.
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