São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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WALTER CENEVIVA

Na busca do Estado laico

Não se trata de afastar de cada um o sentimento religioso, mas o de não o vincular ao Estado

AS ELEIÇÕES NA TURQUIA , com vigorosa bipolarização entre religião e Estado, bem como declarações do Papa Bento 16 a respeito de denominações cristãs que, para o pontífice, não compõem efetivamente uma religião, são dois temas, cada um a seu modo, aptos a suscitar questões relacionadas com a separação de religião e Estado.
A lei nš 11.481, de maio, privilegia o que denomina "ocupações irregulares de terras públicas", quando feitas por organizações religiosas. Soma-se a projetos de lei querendo afirmar o início da vida, em termos jurídicos. O mesmo enquadramento aparece nessas iniciativas. É o que pretendo suscitar nesta coluna.
As quatro questões, embora heterogêneas, envolvem com freqüência o questionamento da lei em face da liberdade dos cultos, livres da intromissão estatal ante as garantias constitucionais. Religião e Estado devem percorrer caminhos separados, sem benefício especial para qualquer culto ou de alguns deles em face de outros. Dirá o leitor que isso está na Constituição. Resposta óbvia: no Brasil, a separação entre religião e Estado é um mito jurídico. Existe em alguns dispositivos legais, mas raramente é para valer.
Evoluímos muito, já que no Império o catolicismo era a religião oficial. Cumpria funções do Estado: acolhia as declarações de nascimento e encomendava os mortos para seus cemitérios, em nome da religião e do Estado, em forma tão arraigada que a passagem ao Estado laico, na República, teve breve duração.
Não há separação em muitos países -os Estados Unidos (os presidentes assumem o compromisso do cargo com a mão sobre a Bíblia) e o Reino Unido (a chefia da religião anglicana é exercida, mesmo formalmente, por quem ocupa o trono) são exemplos. Na Alemanha, há formas tributárias relativas ao financiamento da religião protestante.
A lei nš 11.481, mencionada de início, mostra que fortes influências de cultos não católicos também têm expressão. Serve de mostra o artigo 24, a permitir a regularização de ocupações irregulares de imóveis da União, por organizações religiosas, para "suas atividades finalísticas". Limita novas invasões -serão aceitas aquelas que ocorreram até o dia 27 de abril de 2006.
Em muitos países, a vida de quem se diga ateu ou agnóstico gera muitas vezes dificuldade específica. É o caso da Constituição Federal, promulgada pelos constituintes, "sob a proteção de Deus". O contraste dos escândalos recentes com parlamentares põe dúvida em relação à sinceridade na invocação divina. O mesmo se dizia na Argentina, até alguns poucos anos atrás, quando o presidente da República sempre devia confessar-se católico.
A liberdade aos cultos deveria ser a garantia única da cidadania. Denise Oliveira Cezar, presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, defendeu, em seminário recente, um trabalho firme do Judiciário "para garantir a liberdade de credo", fazendo um paralelo entre o progresso da sociedade moderna que começou justamente na ocasião da idéia da separação entre Estado e igreja. Na laicidade também se preservará o direito de segmento cuja vocação cristã não é a mesma de Bento 16. Não se trata de afastar de cada um o sentimento religioso, mas o de não o vincular ao Estado.


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