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EDUCAÇÃO
Em livro, pesquisadora da USP analisa a história da escola no Brasil e afirma que erros políticos permanecem
Projetos descontínuos afetam qualidade do ensino
AMARÍLIS LAGE
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
O excesso de projetos para as escolas brasileiras e a conseqüente
descontinuidade no sistema educacional levaram aos problemas
atuais no ensino público. É o que
conclui a historiadora Maria Luiza Marcílio após estudar os 500
anos da educação no país.
O trabalho, que durou quatro
anos, virou um livro: "História da
Escola em São Paulo e no Brasil"
(Imprensa Oficial do Estado), lançado em junho deste ano.
Marcílio conta a trajetória de
um ensino que começou com alguns poucos padres e que agora
discute formas de acesso à universidade e à pós-graduação. Segundo a historiadora, esse percurso
foi marcado por constantes mudanças nas políticas, o que impediu um desenvolvimento satisfatório do ensino público. A reforma universitária que está em discussão atualmente é, para ela,
mais um exemplo da interrupção
de projetos educacionais.
Marcílio, hoje docente titular da
USP, começou a carreira como
professora primária em uma escola pública na periferia de São
Paulo e integrou a Comissão de
Acompanhamento do Programa
de Direitos Humanos do Estado,
formada na gestão do governador
Mário Covas (1995-2001). Leia a
seguir trechos da entrevista.
Folha - A senhora diz no livro que
a meta foi entender, por meio da
história, os problemas do país na
área da educação. O que concluiu?
Maria Luiza Marcílio - Percebi
uma descontinuidade da política
educacional através de toda a história do Brasil, sobretudo na época do Império e da República. Essas alterações são muito prejudiciais. Várias vezes, as reformas
poderiam até ter sido vantajosas
para o país, mas a gente não sabe
se estavam corretas, porque não
foram implementadas totalmente. Outra coisa é o atraso na educação de base. Produzimos grandes leis, mas não houve prioridade à escola fundamental.
Folha - Quais são os exemplos
dessa descontinuidade?
Marcílio - Em São Paulo, houve
uma reforma muito promissora
durante a secretaria [estadual de
Educação] do Fernando Morais
[de 1990 a 1993, na gestão de Luiz
Antônio Fleury, do PMDB]. Ele
implementou a escola-padrão
[que visava dar autonomia às escolas e qualificar os professores].
Foram feitos alguns pilotos, mas o
projeto foi cortado pelo governo
seguinte [Mário Covas, do PSDB].
Antes, teve a Escola do Professor,
criada pelo [educador] Fernando
de Azevedo, no começo da década
de 1930, que iria formar bons professores, mas foi atropelada, aí de
uma forma positiva, pela criação
da Universidade de São Paulo
[USP]. Na época do Império, o
presidente da província mudava
todo ano. Cada um que chegava
fazia um relatório dizendo que estava uma calamidade e propunha
uma reforma. Na Primeira República [1889-1930], havia uma
grande reforma a cada dez anos.
Na Constituição de 1934, o Getúlio [Vargas] propôs uma reforma
muito boa, mas que foi atropelada
pelo Estado Novo, quando Getúlio estabeleceu a Constituição de
1937. E essa descontinuidade continua agora, com uma nova reforma universitária e um novo fundo
para o ensino básico [o Fundeb].
Folha - Países próximos, como a
Argentina, importavam professores, viam a educação de outra forma. O que explica essa diferença?
Marcílio - A nossa educação já
começou com problemas. Os
mestres de primeiras letras, na
época colonial, eram pessoas idosas, que não podiam trabalhar na
roça. Como sabiam ler e de escrever, se punham a tentar a ensinar.
É o que chamamos hoje de bico.
Além disso, há uma relação entre
universalização da educação e trabalho livre, participação popular
na política e urbanização. Em países democráticos, a educação
avança mais rápido.
Folha - Ainda assim, houve um
período em que a escola pública
era considerada de alta qualidade.
O que a levou à decadência?
Marcílio - Muito se fala no momento de ouro na escola pública
em São Paulo, mais ou menos de
1960 a 1980. Nessa época o sistema
público atendia à classe média,
em grande parte. Os pobres não
chegavam lá. Os cursos dessa época eram bons porque estavam nos
bairros de classe média, que era
exigente. Não havia a necessidade
de tantos professores, e eles vinham das melhores universidades. O aumento da população, especialmente na periferia, não foi
acompanhado pelo aumento de
professores bem formados. Começa aí a multiplicação de faculdades particulares de pedagogia e
de filosofia para atender a demanda. Elas, geralmente, não preparam bem e são delas que partem
os professores para as áreas pobres. Hoje, dificilmente um aluno
da USP vai dar aula na periferia.
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