São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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EDUCAÇÃO

Em livro, pesquisadora da USP analisa a história da escola no Brasil e afirma que erros políticos permanecem

Projetos descontínuos afetam qualidade do ensino

AMARÍLIS LAGE
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

O excesso de projetos para as escolas brasileiras e a conseqüente descontinuidade no sistema educacional levaram aos problemas atuais no ensino público. É o que conclui a historiadora Maria Luiza Marcílio após estudar os 500 anos da educação no país.
O trabalho, que durou quatro anos, virou um livro: "História da Escola em São Paulo e no Brasil" (Imprensa Oficial do Estado), lançado em junho deste ano.
Marcílio conta a trajetória de um ensino que começou com alguns poucos padres e que agora discute formas de acesso à universidade e à pós-graduação. Segundo a historiadora, esse percurso foi marcado por constantes mudanças nas políticas, o que impediu um desenvolvimento satisfatório do ensino público. A reforma universitária que está em discussão atualmente é, para ela, mais um exemplo da interrupção de projetos educacionais.
Marcílio, hoje docente titular da USP, começou a carreira como professora primária em uma escola pública na periferia de São Paulo e integrou a Comissão de Acompanhamento do Programa de Direitos Humanos do Estado, formada na gestão do governador Mário Covas (1995-2001). Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - A senhora diz no livro que a meta foi entender, por meio da história, os problemas do país na área da educação. O que concluiu?
Maria Luiza Marcílio -
Percebi uma descontinuidade da política educacional através de toda a história do Brasil, sobretudo na época do Império e da República. Essas alterações são muito prejudiciais. Várias vezes, as reformas poderiam até ter sido vantajosas para o país, mas a gente não sabe se estavam corretas, porque não foram implementadas totalmente. Outra coisa é o atraso na educação de base. Produzimos grandes leis, mas não houve prioridade à escola fundamental.

Folha - Quais são os exemplos dessa descontinuidade?
Marcílio -
Em São Paulo, houve uma reforma muito promissora durante a secretaria [estadual de Educação] do Fernando Morais [de 1990 a 1993, na gestão de Luiz Antônio Fleury, do PMDB]. Ele implementou a escola-padrão [que visava dar autonomia às escolas e qualificar os professores]. Foram feitos alguns pilotos, mas o projeto foi cortado pelo governo seguinte [Mário Covas, do PSDB]. Antes, teve a Escola do Professor, criada pelo [educador] Fernando de Azevedo, no começo da década de 1930, que iria formar bons professores, mas foi atropelada, aí de uma forma positiva, pela criação da Universidade de São Paulo [USP]. Na época do Império, o presidente da província mudava todo ano. Cada um que chegava fazia um relatório dizendo que estava uma calamidade e propunha uma reforma. Na Primeira República [1889-1930], havia uma grande reforma a cada dez anos. Na Constituição de 1934, o Getúlio [Vargas] propôs uma reforma muito boa, mas que foi atropelada pelo Estado Novo, quando Getúlio estabeleceu a Constituição de 1937. E essa descontinuidade continua agora, com uma nova reforma universitária e um novo fundo para o ensino básico [o Fundeb].

Folha - Países próximos, como a Argentina, importavam professores, viam a educação de outra forma. O que explica essa diferença?
Marcílio -
A nossa educação já começou com problemas. Os mestres de primeiras letras, na época colonial, eram pessoas idosas, que não podiam trabalhar na roça. Como sabiam ler e de escrever, se punham a tentar a ensinar. É o que chamamos hoje de bico. Além disso, há uma relação entre universalização da educação e trabalho livre, participação popular na política e urbanização. Em países democráticos, a educação avança mais rápido.

Folha - Ainda assim, houve um período em que a escola pública era considerada de alta qualidade. O que a levou à decadência?
Marcílio -
Muito se fala no momento de ouro na escola pública em São Paulo, mais ou menos de 1960 a 1980. Nessa época o sistema público atendia à classe média, em grande parte. Os pobres não chegavam lá. Os cursos dessa época eram bons porque estavam nos bairros de classe média, que era exigente. Não havia a necessidade de tantos professores, e eles vinham das melhores universidades. O aumento da população, especialmente na periferia, não foi acompanhado pelo aumento de professores bem formados. Começa aí a multiplicação de faculdades particulares de pedagogia e de filosofia para atender a demanda. Elas, geralmente, não preparam bem e são delas que partem os professores para as áreas pobres. Hoje, dificilmente um aluno da USP vai dar aula na periferia.


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