São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Judiciário e eficiência

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A função judiciária é espécie de prestação de serviço muito criticada na avaliação atual. O árduo trabalho do juiz de primeiro grau é apenas uma das muitas causas -talvez a menor- dos ganchos paralisantes da função. Nesse comentário tento explicar porque a função acaba não satisfazendo seus fins constitucionais. A emenda nº 19/98, ao incluir eficiência entre os princípios básicos que a administração pública deve obedecer, acentuou a insatisfação.
Para compreender a ineficiência e sugerir consertos é preciso distinguir mitos e realidades. Com o mito da independência individual do magistrado e da conveniência de seu distanciamento dos jurisdicionados, para mostrar imparcialidade, a consecução dos objetivos inerentes ao Judiciário cria obstáculos para o trabalho conjunto. Do juiz com sua "equipe" e deles, em face da estrutura do poder. As rotinas, em cada unidade judiciária, tendem a ser assistêmicas. São complicadas pelas leis do processo e cada vez mais desprovidas de eficiência, perturbadas pela burocracia, mal paga e mal preparada. Afastadas da sociedade, o que é mau por si mesmo.
Vistas as justiças constitucionais (civil, criminal, trabalhista, federal, eleitoral, militar, dos Estados) faltam partes integradas a um sistema. Sobram as que atuam livres, cada qual para seu lado, às vezes dentro da mesma "Justiça". O plano coletivo se ressente da não sistematização orgânica, operativa e funcional, voltada para a consecução das finalidades gerais.

Os custos tendem a superar a possibilidade média da clientela. Será adequado, salvo poucas exceções, que cada interessado suporte os emolumentos para a defesa de seu direito, mas a Justiça também há de ser aberta aos desprovidos de meios.
Afinal, o processo civil ou criminal é uma linha aparentemente reta, a ser cumprida no menor prazo, ao menor custo. Claro que há processos especiais, mas a grande linha do procedimento ordinário compreende o ato inicial de seu impulso; a verificação das condições de sua continuação válida; a instrução; a decisão; os recursos e a execução.
A linha reta, que o resumo feito sugere, é falsa. Cada processo é carro de corrida, capaz de andar velozmente, mas de curso interrompido por obstáculos -muitas vezes do interesse de uma das partes- cuja superação cabe ao magistrado. Muitas vezes, sem o sagrado impulso do decidir. Sendo todos os juízes obrigados ao objetivo essencial de decidir, seria de estimular a eficiência de rotinas desobstruidoras.
Nos tribunais superiores a tendência é contrária. Quer criar obstáculos processuais ao acesso dos recursos, sem atentar para o anseio pela justiça negada ou duvidosa na esfera estadual ou regional.
Lembro ao leitor que o juiz é um operador inerme. Trabalha com os impulsos contraditórios das partes. Protocolos, cartórios, intimações põem dias e meses -quando não anos - entre cada pedido e cada decisão. Os prazos processuais, que só os advogados privados têm verdadeiramente que cumprir, não interferem na lentidão. O Judiciário aceita favorecimento da lei aos advogados públicos, que param o processo. Nesse quadro a realização dos objetivos se complica, sem culpa do indivíduo-magistrado. Na primeira instância, porém, onde começa e termina a maior parte dos processos, o Poder Judiciário poderá funcionar melhor, com julgador eficiente, trabalho em equipe, segundo princípios de organização racional, simplificação das rotinas e clara definição das prioridades. Assim, sem grandes elucubrações constitucionais para sua reforma, respeitará o imperativo princípio da eficiência.


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