São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Sacode a poeira e dá volta por cima


Ele tinha um bom emprego e até casa na praia, mas acabou morando na rua. E hoje se prepara para recomeçar


SÉRGIO PASCHOAL PINTO tinha casa, apartamento na praia e um bom emprego em uma empresa de informática aplicada ao gerenciamento de recursos humanos -mas acabou literalmente na rua. Endividado, quebrou financeiramente, separou-se da mulher e dos filhos. Viveu por algum tempo nos fundos de um pequeno imóvel de um sobrinho.
No final de de 2004, ficou duas semanas dormindo em bancos de praça, em meio a bêbados, mendigos e drogados. "Imagine como eu me sentia naquele momento. Além de não ter dinheiro e estar sozinho, era Natal." Jamais poderia imaginar que, naquele ambiente aparentemente sem nenhuma perspectiva, aprenderia uma nova atividade ligada a recursos humanos e voltaria a ter um emprego estável. E, ainda por cima, conseguiria entrar numa universidade pública.
 

Sem ter como pagar aluguel, Sérgio, então com 56 anos, saiu das praças e começou a morar num albergue público no Brás. "Só ficava me lembrando dos tempos em que vivia com minha mulher e meus filhos." Salvou-se por causa de um programa da prefeitura para transformar ex-moradores de rua em agentes de saúde -e, justamente, para cuidar de moradores de rua.
Aprendeu noções sobre hepatite, tuberculose, AIDS e diabetes, entre outras doenças comuns em habitantes de rua. Foi, então, indicado para trabalhar num centro de saúde do Itaim Bibi, bairro de classe média alta. "Pensei que não teria nenhum serviço por lá." Estava enganado.
Em pouco tempo, já tinha cadastrado cem pessoas. Sua missão era convencê-las a cuidar de sua saúde e aceitar viver em abrigos. "Estabeleci um vínculo forte com eles. Podia entender o que sentiam, e isso facilitava a conversa."
 

Conheceu personagens que o intrigavam. Era o caso de Décio, que vivia, com mulher e filhos, numa casa abandonada do Itaim Bibi. Carroceiro, Décio conseguiu ter uma boa relação com restaurantes do bairro, alguns deles freqüentados pela elite paulistana. Coletava comida que sobrava e, num delivery voluntário, a dividia com moradores de rua região, que, sem saber, saboreavam peixes e filés temperados com sofisticados molhos franceses e italianos.
Graças à sua escolaridade e à habilidade em recursos humanos, Sérgio ganhou, há dois meses, uma promoção: um emprego fixo na Unidade Básica de Saúde do Itaim Bibi. Sua tarefa é receber as pessoas que chegam ali e ajudá-las a se orientar. "Ainda estou morando no albergue público, mas, com o salário, estou me preparando para alugar um apartamento."
 

Voltou a fazer planos como nos tempos em que, orgulhoso -"eu era, reconheço, até mesmo arrogante"-, trabalhava como especialista em processamento de dados da empresa e chegou a estudar na Fundação Getúlio Vargas, mas não conseguiu concluir o curso. Neste ano, prestou vestibular para a recém-criada Universidade Federal do ABC, onde pretende começar a estudar no próximo ano e se aprofundar em informática. "Quem sabe, dessa vez, posso ter minha própria empresa."


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