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DANUZA LEÃO
Da série "nosso país"
O normal, como há 200 anos, é cobrar um percentual de todas as obras nas estradas, que continuam esburacadas
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O BRASIL É UM país complicado.
A filosofia de grande parte
dos brasileiros é ficar rico rapidamente; não à custa do trabalho,
mas de preferência dando um golpe
-ou uma tacada, como costumam
dizer, mas isso não é de hoje. Há 200
anos o Brasil é assim, e não dá mostras de mudança. A inspiração para
este artigo veio depois da leitura do
magnífico livro "1808", do jornalista
Laurentino Gomes -que deveria
ser lido obrigatoriamente por todos
que tentam entender nosso país-,
que conta como era o Brasil nos
tempos de D. João 6º, há 200 anos.
Segundo o livro, quando o governo
do presidente Adams, em 1800, mudou a capital dos EUA da Filadélfia
para a recém-construída Washington, o número de funcionários era
de apenas mil. Já quando Brasília foi
inaugurada, o número foi entre 10
mil e 15 mil, todos com salários altíssimos, pelo sacrifício da viagem. O livro diz que "grande parte dos nossos políticos pouco se interessa pela
prosperidade do país; querem mais
enriquecer à custa do Estado do que
administrar justiça ou beneficiar o
povo. Os que têm os cargos mais altos recebem verba de custeio e representação; é um grupo caro, perdulário e voraz". Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Continua o livro: "Naquele tempo
o banco do governo financiava, sem
garantias, políticos, usineiros e fazendeiros quebrados, e foi inventada a "caixinha", nas concorrências e pagamentos do serviço público.
Uma comissão de 17% era cobrada
de todos os pagamentos ou saques
no tesouro público. Era uma forma
de extorsão velada: se o interessado
não comparecesse com os 17%, os
processos simplesmente paravam
de andar. Um dos encarregados de
administrar as finanças públicas, o
que incluía todos os contratos e pagamentos, enriqueceu rapidamente.
No momento em que alguns moralistas tentaram mudar as coisas, esse
homem foi preso e teve seus bens
confiscados. Duas semanas mais
tarde foi solto". Só para lembrar: isso
acontecia em 1808.
No Brasil de hoje, as diretorias das
importantes estatais são disputadas
pelos partidos, entre políticos que
não são do ramo. Fala sério: por que
razão um arquiteto -aliás, bom arquiteto- deve ser presidente de
Furnas ou um deputado presidente
da Infraero? Quando entra um novo
governo, estouram os escândalos de
superfaturamento, CPIs são instaladas -geralmente não dão em nada-
, e o dinheiro, ó: nunca mais. O normal, exatamente como há 200 anos,
é cobrar um percentual de todas as
obras feitas nas estradas, que continuam esburacadas, matando gente,
e nos aeroportos, onde as pistas, por
não terem o padrão exigido pela segurança, matam gente. Os poderosos continuam na gastança, pois a filosofia é que dinheiro do governo
não é de ninguém, e o dinheiro da
CPMF, que teoricamente foi criada
para ser usado na saúde, não é empregado em hospitais, e o povo morre nas filas esperando atendimento
médico. Com o Brasil sediando a Copa de 2014, seria preciso um Tribunal de Contas para a reforma de cada
estádio e outro para cada estádio novo que será construído.
E o leite adulterado, vai dar em algo? Um ex-governador, hoje deputado, atirou num inimigo político há
12 anos, é preso em flagrante, às vésperas de ser julgado -tem foro privilegiado-, renuncia, e o processo vai recomeçar da estaca zero. É escárnio, como bem disse o ministro
do Supremo Joaquim Barbosa.
Depois de ler esse livro, passei a
entender que a corrupção está cravada no DNA do Brasil e vai ser preciso muito tempo para que as coisas
mudem. Daqui a duas ou três gerações, talvez.
Talvez.
danuza.leao@uol.com.br
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