São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Gratagliano, o pracinha

WILLIAN VIEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando Vicente Gratagliano entrou naquele navio com os outros pracinhas pensou que iria para a Bahia fazer exercícios militares -e nem imaginava que passaria 14 dias vomitando, ao atravessar o Atlântico com a Força Expedicionária Brasileira rumo à guerra.
O palmeirense nascido no Brás passou a infância jogando bola, indo pouco à escola e trabalhando como engraxate. Era vendedor de peixes quando foi chamado pelo Exército, em 1944 e partiu para a Itália no primeiro pelotão da primeira companhia do primeiro batalhão do sexto regimento.
"Todos morriam de medo, mas ao mesmo tempo a gente tentava mostrar valentia diante dos companheiros, para não parecer fraco", dizia, sempre que encontrava ouvidos pródigos. Cada médico do hospital, nos últimos meses, sabia de suas histórias com detalhes. A preferida era a da medalha -quando foi premiado por ter matado dois alemães em uma engenhosa emboscada no meio da neve.
Mas ele não se orgulhava dos tiros e preferia não fazer as contas que quantas "vidas inimigas" tirara na guerra. Orgulhava-se, porém, do amor por uma italiana, que até hoje azeda a memória da família. Voltou para o Brasil e foi feirante até 1977. Desde então dedicava-se a fazer casinhas de papelão para as crianças do bairro.
Quando delirava, já internado na UTI, reclamava do tamanho da trincheira em que havia sido colocado - "não vai caber os outros soldados", balbuciava. Morreu pensando na guerra, no hospital em São Paulo, aos 88 anos.


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