São Paulo, terça-feira, 04 de dezembro de 2001

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HABITAÇÃO

Lideranças de dois dos principais grupos de moradia popular de São Paulo trabalham para parlamentares do PT

Político paga R$ 5,3 mil a líder sem-teto

SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem-teto líderes do Fórum dos Cortiços e da União dos Movimentos de Moradia (UMM), dois dos principais movimentos organizados da cidade de São Paulo, ganham até R$ 5.300 no gabinete do deputado estadual Henrique Pacheco e do vereador José Laurindo de Oliveira, ambos do PT.
Apesar de alguns já terem até vivido em prédios invadidos, os líderes empregados pelos políticos possuem casa, carro zero-quilômetro e outros confortos que nenhum dos "companheiros" que se aventuram, com eles, a invadir imóveis sonha ter.
Dados da Apoio Associação de Auxílio Mútuo, organização não-governamental que dá suporte a associações populares pró-moradia, mostram que a renda média dos sem-teto em São Paulo é de R$ 200 por mês. Cerca de 90% têm renda inferior a R$ 540.
A cooptação de lideranças é condenada pela secretária nacional de Movimentos Populares do PT, Sônia Hypolito. "O partido defende a autonomia dos movimentos. Não há problemas em contratar militantes, desde que por sua competência. Ele pode exercer sua militância, mas fora do horário de trabalho. A mistura de funções no gabinete é desaprovada. Os partidos de direita é que costumam fazer isso", afirma.
De acordo com Sônia, não existe nenhuma acusação contra Pacheco ou Laurindo na Comissão de Ética do partido. "Não conheço a história deles a fundo para poder comentá-la."
Dentro do PT, Pacheco é da corrente Democracia Radical, considerada moderada, na qual figuram o deputado federal José Genoino e o secretário municipal da Saúde, Eduardo Jorge.

Coordenação
Atualmente, são cinco os principais movimentos de sem-teto em São Paulo. Juntos, eles mantêm cerca de 12,5 mil famílias cadastradas e 15 prédios ocupados. A UMM atua como coordenadora geral desses grupos.
Evaniza Lopes Rodrigues e Donizete Fernandes de Oliveira, que respondem pela UMM, são contratados como secretária parlamentar e assessor especial de Henrique Pacheco. O salário inicial desses cargos, na Assembléia Legislativa, é de R$ 3.081,31 e R$ 5.347, respectivamente.
Donizete tem ainda um reforço no orçamento vindo do salário da mulher, Vera Eunice Rodrigues da Silva, que trabalha como secretária assistente parlamentar (salário inicial de R$ 1.000) para o vereador José Laurindo.
Apesar da boa renda familiar, o casal mora em um apartamento construído em mutirão no Residencial Vila Verde, na região de Parada de Taipas (zona norte).
Os prédios foram erguidos em convênio com a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo). Para alguém adquirir um imóvel da companhia, é necessário comprovar uma renda familiar de, no máximo, dez salários mínimos (cerca de R$ 1.800).
Os prédios foram entregues há três anos. O casal trabalha para os políticos, pelo menos, desde 1996. De acordo com a CDHU, os nomes de Vera e Donizete não constam do cadastro de mutuários. Os dois coordenavam o cadastramento das famílias interessadas em formar cooperativas de mutirões naquela região.

Nove de Julho
Além de Evaniza e Donizete, o deputado estadual Henrique Pacheco emprega mais duas lideranças de sem-teto: Veronika Kroll, coordenadora-geral do Fórum dos Cortiços, e a ex-freira Maria Inês Volpato, que também integra o Fórum. Ele tem o total de 13 funcionários.
Veronika e Maria Inês ocupam o cargo de auxiliar parlamentar, cujo salário inicial, na Assembléia Legislativa, é de R$ 2.248,29. O vereador José Laurindo emprega outros dois sem-teto, além de Vera, mas de menor influência.
A coordenadora Veronika, por exemplo, foi responsável pela mais conhecida e conturbada invasão da cidade, a do prédio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), na avenida Nove de Julho, no centro de São Paulo.
No dia 2 de novembro de 1997, um exército de cerca de mil sem-teto invadiu o edifício de 14 andares, onde vivem hoje 90 famílias. Em 1999, a líder foi retirada da coordenação por seus antigos seguidores, que a acusam de ter desviado R$ 63 mil do "condomínio" do prédio ocupado. Ninguém provou o desvio até hoje.
A invasão é considerada a maior da América Latina. No início deste ano, o prédio seria visitado pelo primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, que acabou desmarcando o compromisso em cima da hora.
Depois da saída de Veronika, o prédio foi assumido pelo MSTC (Movimento dos Sem-teto do Centro), que surgiu de um grupo de ex-líderes do Fórum.
Veronika é uma personagem polêmica entre os sem-teto. Já morou em várias invasões, mas possui, na verdade, um sobrado na Vila Industrial e outra casa e um comércio em construção na região do Jardim Iguatemi, ambos na zona leste de São Paulo.


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