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São Paulo, quarta-feira, 05 de fevereiro de 2003

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VIOLÊNCIA

Bala perdida mata menino no Rio

Ana Carolina Fernandez/Folha Imagem
A menina Taíza, de 1 ano, que brincava de atirar ontem pela manhã na favela Tancredo Neves; na véspera, menino foi morto no local


TALITA FIGUEIREDO

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Tiros disparados supostamente por policiais civis mataram o menino Nicolau Yan dos Santos Xavier, 3, e feriram Elisandra de Oliveira Lucena da Silva, 7, e Ana Beatriz Rodrigues, 31, por volta das 22h de anteontem, na favela Tancredo Neves, no complexo do Jacaré (zona norte do Rio).
O menino foi atingido quando ia comprar balas em um bar próximo à sua casa com a irmã mais velha, Jéssica, 13.
Segundo testemunhas, policiais atiraram quando um Santana furou a blitz que realizavam. Os moradores afirmaram que os ocupantes do Santana, não-identificados, não atiraram, só fugiram.
A Corregedoria da Polícia Civil disse já ter identificado quatro policiais que participavam da blitz. A corregedoria apura por que os policiais não socorreram as vítimas nem fizeram o registro do caso na delegacia da área.
Ontem de manhã, enquanto dezenas de crianças da favela escreviam mensagens de protesto, uma cena chamava a atenção. A menina Taíza, de pouco mais um ano, esticava os bracinhos e repetia "pou, pou", numa brincadeira que imitava o som de tiros.
A prima de Taíza, Daiana Clemente Fialho, 14, disse não se espantar com a cena. "Ela é esperta e quando está na rua aprende tudo. O que vê, ela aprende. Eles [os policiais" é que dão o exemplo."
A outra criança baleada, Elisandra, estava brincando na rua quando ouviu os tiros. Ao correr, teria perdido um pé de sandália, segundo sua irmã, Eilisara, 10, e voltou para buscá-la. A menina foi baleada no braço esquerdo.
Um dos tiros que atingiu a dona-de-casa Ana Beatriz atravessou sua perna direita. O outro passou de raspão por sua cabeça. "Nenhum policial nos socorreu."
O corregedor da Polícia Civil, Jorge Jesus Abreu, ouviu ontem duas moradoras da favela que testemunharam o tiroteio. Até a conclusão desta edição, os quatro policiais estavam prestando depoimento. A versão que contavam é que eles responderam a tiros dados por ocupantes do Santana.
"Causou-me surpresa o fato de não ter sido comunicado na delegacia por eles, mas por um policial militar que soube pelo rádio que havia feridos no local", disse.
A família de Nicolau é o retrato dos bolsões de miséria nas metrópoles brasileiras. Sexto filho de Jane Tito dos Santos, 32, ele morava com os outros sete irmãos e a mãe em um barraco de menos de 8 m2.
Na casa, duas camas, um pequeno fogão, uma geladeira e uma fossa. Santos é separada do marido. Na época do Carnaval, trabalha ajudando a fazer fantasias e carros alegóricos. Para isso, ganha R$ 260 por mês. Fora desse período, ela é catadora de papel. "Tiro R$ 3, R$ 3,50 por dia."


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