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MARILENE FELINTO
Monstro e Andinho
Neste exato momento na
favela Pantanal, em São
Paulo, e na favela do São Fernando, em Campinas -como em milhares de outras Brasil afora-,
continua a "minhocar, a fervilhar, a crescer um mundo, uma
coisa viva, uma geração" que parece "brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro e multiplicar-se como larvas no esterco". A
descrição é de Aluísio de Azevedo
em "O Cortiço", de 1890, mas perfeita para hoje.
No esterco da favela Pantanal
(divisa de Diadema com São Bernardo do Campo, Grande São
Paulo), naquele inferno de becos e
barracos fedendo a esgoto e ferida
aberta, é que teriam se reproduzido as larvas de criminosos brutais
como os que estão sendo acusados
de terem sequestrado e matado o
prefeito de Santo André, Celso
Daniel, em janeiro.
No esterco da favela do São Fernando (centro de Campinas) é
que foi gestada a coisa viva chamada Andinho, um dos mais desumanos marginais já apresentados ao telespectador pela TV.
Identificação verdadeira: Wanderson de Paula Lima, 23.
Última cena que dirigiu: a libertação das irmãs Sônia Zabani e
Roseana Batagin, sequestradas
em Americana (SP) e encontradas amordaçadas e amarradas
feito bichos em um matagal
do interior.
Foi nos últimos dez anos que
Andinho virou bandido de alta
periculosidade, sequestrador de
primeira linha, apoiado inclusive
por policiais. Foi nos últimos dez
anos que todos os integrantes da
quadrilha da favela Pantanal
brotaram da lama, todos com
menos de 30 anos de idade e apelidos de uma precisão descritiva
impressionante (basta ver as fotos, as caras deles na TV): Monstro (Ivan Rodrigues da Silva, 27),
Olho de Gato (Itamar Messias dos
Santos, 22), Cara Seca (Andrelisom dos Santos Oliveira, 23), Cara de Gato (Juscelino da Costa
Barros, 22), Sapeco (Deivid dos
Santos Barbosa, 20), Bozinho
(Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira, 20), Cabeção (Manoel Dantas de Santana Filho, 29),
os supostos matadores de Celso
Daniel.
Foi nos últimos dez anos que
eles entraram para o crime, aos
12, 13 anos de idade. Dez anos é
pouco tempo. Foi ontem. Foi bem
perto daqui. Onde estava a chamada "sociedade civilizada" nestes dez anos? Assistindo passiva à
reprodução dessas larvas, à geração dessas monstruosidades,
meio distraída, "protegida" na
mesquinharia de seus lares, acumulando bens e capital no egoísmo de seus gabinetes e escritórios.
Uma das irmãs sequestradas
por Andinho disse na TV que tem
vergonha de ser brasileira. Está
certa. Brasileiros deixam brasileiros virarem anomalias sociais. É
uma gente que vive numa espécie
de torpor moral, no pior espírito
do cada um por si.
"Ele não conhece o outro lado
da sociedade. A sociedade dele é o
crime", disse um delegado sobre o
sequestrador Andinho. Ou seja,
Andinho é um monstro porque
formou-se na monstruosidade,
oprimido por muitos gêneros de
violência.
Em 1994, quando provavelmente estava sendo gestada na favela
Pantanal a quadrilha de Monstro, o lugar já era notícia pela
barbárie que experimentava: naquele ano, foi preso um grupo de
exterminadores que fazia o papel
de polícia na favela; entre suas vítimas, uma mulher que teve os
seios cortados e um homem cuja
língua foi arrancada.
Também em 1994 já se contabilizava entre a população favelada
de São Paulo um homicídio a cada 30 horas e uma agressão a cada 14 horas. Nesse ambiente cresceram Monstro, Olho de Gato,
Cara Seca, Andinho e outras
aberrações sociais que hoje assombram a enlameada sociedade
civilizada brasileira. E a coisa
continua a se reproduzir, viva,
no esterco.
E-mail -
mfelinto@uol.com.br
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