São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

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ENTREVISTA/CLAUDIO BEATO

Para o sociólogo Claudio Beato, o Mapa da Violência, que colocou cidades pequenas como as mais violentas, tem pouca utilidade para o planejamento de políticas públicas

O problema da violência está nas áreas metropolitanas

SE VOCÊ está preocupado com a violência nas pequenas cidades, pode procurar outro texto para ler. O sociólogo Claudio Beato não dá a mínima para o fato de Colniza (MT) ocupar o primeiro lugar no ranking das cidades com as maiores taxas de homicídios, segundo o Mapa da Violência divulgado na terça-feira (Colniza, com 12.400 habitantes, registrou 18 homicídios em 2006).

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Claudio Beato, 50, diz que as cidades pequenas não têm grandes problemas de segurança. "Salvo casos crônicos, o nosso grande problema está nas áreas metropolitanas", diz o coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais. Para ele, os dados do próprio Mapa da Violência mostram que o problema central está onde sempre esteve: na Grande São Paulo e no Grande Rio, onde estão concentrados cerca de 40% dos homicídios do país. Na entrevista a seguir, Beato diz que os casos mais bem sucedidos de combate à violência têm um ponto em comum: os prefeitos decidiram encarar a questão da segurança.  

FOLHA - Há novidade no fato de que 8 das 10 cidades mais violentas têm menos de 100 mil pessoas?
CLAUDIO BEATO
- Acho esse dado complicado pelo seguinte: em municípios pequenos, as taxas de homicídio tendem a variar muito. Com poucos homicídios, você pode ter taxas elevadas. O ranking das cidades mais violentas reflete o que os técnicos chamam de variabilidade de taxas. No próximo ano, os municípios mais violentos serão completamente diferentes.

FOLHA - Quer dizer que o ranking tem pouca utilidade para planejar políticas de combate à violência?
BEATO
- Sem dúvida. Há municípios pequenos com problema de violência no centro-oeste. Mas, para planejar políticas, o ranking tem pouca serventia. As taxas variam muito de ano para ano. Esse ranking, porém, aponta para um fenômeno interessante: cidades do interior têm uma expansão da violência que merece ser compreendida.

FOLHA - Faz sentido a tese de interiorização da violência?
BEATO
- Não é que a violência se interioriza. Ela tende a acompanhar o processo que se inicia nos anos 80 no Rio, nos anos 90 em São Paulo e no final dos anos 90 em outras regiões metropolitanas, como Belo Horizonte, Recife e Vitória.

FOLHA - Que processo?
BEATO
- É um fenômeno relacionado com o tipo de urbanização que a gente tem enfrentado neste país -tem a favelização, a cidade informal. É por isso que a violência está concentrada nas áreas urbanas, mais até nos municípios com mais de 250 mil habitantes. Podemos chamar isso de desorganização social no interior dessas grandes cidades, e está alcançando as cidades de porte médio. Isso ocorre ao lado das zonas de violência rural mais tradicionais do centro-oeste. Isso existe há 50 anos no Pará, em áreas de Pernambuco, chega até a fronteira da Bahia.

FOLHA - Tem relação com o que ocorreu em São Paulo e no Rio?
BEATO
- É completamente diferente: são áreas tradicionalmente violentas. O que há em comum entre essas regiões e o Rio é a desorganização social. O problema dessas análises muito descritivas é que você perde de vista a diversidade que a violência tem no Brasil. Talvez o Estado síntese dessa diversidade seja Pernambuco.

FOLHA - Por que Pernambuco ocupa o topo do ranking?
BEATO
- Pernambuco sempre se destacou historicamente, mas a gente precisa entender melhor. E não é só Pernambuco. Isso alcança alguns municípios no norte da Bahia, Alagoas e Rio Grande do Norte. É uma região onde tem pistolagem, coronelismo, uso privado de armas para resolver conflitos de uma forma muito generalizada. Mas Pernambuco também tem a região metropolitana de Recife. Lá, as pessoas se matam por motivos tradicionais, mas há também componentes da deterioração das grandes cidades.

FOLHA - É o pior dos dois mundos?
BEATO
- Ali tem uma mistura de tudo. Outro dia o presidente [Lula] disse que os diagnósticos estão prontos. Acho que não estão. No caso de Pernambuco, a gente não sabe exatamente quais são todas as razões. Tem o problema da violência associada à urbanização. Ninguém sabe o que fazer com as ocupações informais, como resolver a questão das favelas.

FOLHA - Isso não seria criminalizar as favelas?
BEATO
- Não, não me refiro a todas as favelas. Esse fenômeno pode ser observado nas cidades: algumas áreas concentram uma proporção muito maior de crimes do que outras. Em Belo Horizonte, há 110 favelas, mas oito delas são responsáveis por quase 40% dos homicídios. O problema é a favela associada a algumas condições de desorganização. Favela em si é um problema para o planejador. Favela com violência é um problema adicional. Essas favelas com violência são poucas. O Rio de Janeiro tem 650 favelas e não são mais do que 30, provavelmente, as que têm problemas acentuados.

FOLHA - Pelo estudo, 10% dos municípios concentram 72% dos homicídios. Pelo seu raciocínio, dá para concluir que os crimes contra a vida são um problema localizado?
BEATO
- Não é verdadeira essa idéia de que o crime se distribui de forma aleatória e dispersa. Crime sempre é concentrado. As regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo concentram 40% dos homicídios.

FOLHA - Dá para concluir que o problema está onde sempre esteve?
BEATO
- As áreas metropolitanos do Rio e de São Paulo concentram quase a metade dos homicídios do Brasil. É mais um motivo pelo qual não gosto dessa coisa das pequenas cidades. Salvo casos crônicos, nosso grande problema está nas áreas metropolitanas. Esse fenômeno tem nome: lei de Pareto. Da mesma forma que a riqueza se concentra nas mãos de poucas pessoas, o crime se concentra em poucos lugares e é cometido por poucas pessoas. Belo Horizonte é dividida em 2.500 setores censitários e só oito setores são responsáveis por 15% dos crimes violentos. Sempre é um problema concentrado. Aí as pessoas pensam: então é fácil enfrentar o problema da violência.

FOLHA - Não é fácil?
BEATO
- É fácil desde que você saiba exatamente quais são essas regiões. Não é usual as organizações da Justiça fazerem esse tipo de levantamento. Você sabe quais são as favelas do Rio que concentram a violência? Tenho a impressão que nem a polícia do Rio tem esse tipo de dado. Isso requer um manejo de informações muito grande. Daí a dificuldade. O que é certo é que Rio e São Paulo concentram uma quantidade grande de crimes e mereceriam uma atenção especial, assim como as principais regiões metropolitanas. Não me preocuparia com os pequenos municípios, a não ser por uma questão estratégica no sul do Pará, por causa dos conflitos de terra.

FOLHA - Diadema foi chamada de cidade-modelo no combate à violência, mas está em 30º lugar no ranking nacional e em 2º no Estado. Os especialistas erraram?
BEATO
- Diadema tem a ver com o fato de que São Paulo tem diminuído seus índices. Diadema é um caso bem sucedido. O que não entendemos muito bem é onde entra o componente Diadema e onde entra o componente São Paulo.

FOLHA - O que deu certo lá?
BEATO
- Diadema adotou o modelo em que o administrador municipal se envolveu diretamente com a questão. Normalmente, os prefeitos não fazem isso -têm um visão muito conservadora da violência. Acham que é um problema de polícia. Como quem tem controle sobre a polícia é o governador, não se envolvem. Em Bogotá e Medellín, tão elogiadas no mundo, foram prefeitos que encararam o problema. Agiram tanto na articulação entre as polícias como no desenvolvimento de programas sociais. Alguns que até tenho dúvidas, como o fechamento de bar.

FOLHA - Fechamento de bar não foi importante em Diadema?
BEATO
- Não sei. Diadema adotou 30, 40 ações diferentes. As pessoas exaltaram muito a questão de fechar os bares porque o público adora soluções fáceis, mas isso não existe. Diadema foi um caso bem sucedido, mas está muito longe de ser um lugar tranqüilo. O mesmo ocorre em São Paulo.

FOLHA - Por que São Paulo diminuiu algumas taxas em proporções maiores que as de Bogotá?
BEATO
- No caso de São Paulo, o importante foi o investimento feito em segurança pública desde a época de Mário Covas [1995-2001]. Covas fez cortes em quase todas as áreas, menos em segurança. Hoje o sistema de segurança de São Paulo é um dos mais bem montados do país. Apareceram outros problemas. Tiraram criminosos das ruas, mas permitiram que se organizassem nas prisões.

FOLHA - E as políticas sociais?
BEATO
- Eu ia falar disso. Ao lado do investimento em segurança, em prisões, você teve um sem número de atividades de sociedade civil, de programas em escolas, no Jardim Ângela. A gente não sabe o impacto desses programas. Houve uma reação da sociedade contra a violência. Algumas prefeituras, tal como a de Diadema, começaram a se envolver no combate à violência. Os governos também desenvolveram um grande número de projetos sociais. Você não reduz crime com uma medida só, é sempre uma somatória de ações.

FOLHA - O que Santa Catarina tem de tão diferente para ter o mais baixo índice de homicídios?
BEATO
- Se fosse arriscar um palpite, diria que a desorganização é que propicia o surgimento de crime no Brasil. Ele surge em lugares que têm pouco controle sobre a atividade dos jovens, que têm pouco controle sobre o contexto urbano -sujeira, grafitagem, vandalismo, consumo de drogas em público. Santa Catarina tem um capital social melhor. A capacidade das pessoas de se mobilizarem para fazer frente a esse tipo de problema é maior. Se você reparar bem, Santa Catarina tem mais problemas nas áreas com maior população flutuante, o que dificulta esse tipo de mecanismo de controle. Nas áreas turísticas, o controle social é menor e por isso há mais violência. Controle social é a palavra-chave. Uma das coisas feitas em Bogotá foi tentar desenvolver mecanismos pelos quais as pessoas passassem a colaborar e controlar uma às outras. Pegue esse fenômeno dos meninos no meio das ruas nos centros das cidades. Você anda no centro de São Paulo e dá vontade de chorar. Isso o que é? É claramente a ausência de rede de proteção para essa garotada. Conseqüentemente, eles acabam se envolvendo com o crime. Falta a sociedade dizer: peraí, criança no meio da rua não pode! Isso acontece na Europa. Nessas favelas, uma das coisas que mais salta à vista é a enorme quantidade de crianças sem nenhum tipo de supervisão nas ruas. Essa ausência de controle leva à desorganização daquela comunidade. Onde você junta um monte de gente sem laços com aquele local, elas não vão se preocupar em cuidar da vizinhança.


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