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ENTREVISTA/CLAUDIO BEATO
Para o sociólogo Claudio Beato, o Mapa da Violência, que colocou cidades pequenas como as mais violentas, tem pouca utilidade para o planejamento de políticas públicas
O problema da violência está nas áreas metropolitanas
SE VOCÊ está preocupado com a violência nas
pequenas cidades, pode procurar outro texto
para ler. O sociólogo Claudio Beato não dá a
mínima para o fato de Colniza (MT) ocupar o
primeiro lugar no ranking das cidades com as maiores
taxas de homicídios, segundo o Mapa da Violência divulgado na terça-feira (Colniza, com 12.400 habitantes, registrou 18 homicídios em 2006).
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Claudio Beato, 50, diz que as
cidades pequenas não têm
grandes problemas de segurança. "Salvo casos crônicos, o nosso grande problema está nas
áreas metropolitanas", diz o
coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Para ele, os dados do próprio
Mapa da Violência mostram
que o problema central está onde sempre esteve: na Grande
São Paulo e no Grande Rio, onde estão concentrados cerca de
40% dos homicídios do país.
Na entrevista a seguir, Beato
diz que os casos mais bem sucedidos de combate à violência
têm um ponto em comum: os
prefeitos decidiram encarar a
questão da segurança.
FOLHA - Há novidade no fato de
que 8 das 10 cidades mais violentas
têm menos de 100 mil pessoas?
CLAUDIO BEATO - Acho esse dado
complicado pelo seguinte: em
municípios pequenos, as taxas
de homicídio tendem a variar
muito. Com poucos homicídios, você pode ter taxas elevadas. O ranking das cidades mais
violentas reflete o que os técnicos chamam de variabilidade
de taxas. No próximo ano, os
municípios mais violentos serão completamente diferentes.
FOLHA - Quer dizer que o ranking
tem pouca utilidade para planejar
políticas de combate à violência?
BEATO - Sem dúvida. Há municípios pequenos com problema
de violência no centro-oeste.
Mas, para planejar políticas, o
ranking tem pouca serventia.
As taxas variam muito de ano
para ano. Esse ranking, porém,
aponta para um fenômeno interessante: cidades do interior
têm uma expansão da violência
que merece ser compreendida.
FOLHA - Faz sentido a tese de interiorização da violência?
BEATO - Não é que a violência
se interioriza. Ela tende a
acompanhar o processo que se
inicia nos anos 80 no Rio, nos
anos 90 em São Paulo e no final
dos anos 90 em outras regiões
metropolitanas, como Belo Horizonte, Recife e Vitória.
FOLHA - Que processo?
BEATO - É um fenômeno relacionado com o tipo de urbanização que a gente tem enfrentado neste país -tem a favelização, a cidade informal. É por
isso que a violência está concentrada nas áreas urbanas,
mais até nos municípios com
mais de 250 mil habitantes. Podemos chamar isso de desorganização social no interior dessas grandes cidades, e está alcançando as cidades de porte
médio. Isso ocorre ao lado das
zonas de violência rural mais
tradicionais do centro-oeste.
Isso existe há 50 anos no Pará,
em áreas de Pernambuco, chega até a fronteira da Bahia.
FOLHA - Tem relação com o que
ocorreu em São Paulo e no Rio?
BEATO - É completamente diferente: são áreas tradicionalmente violentas. O que há em
comum entre essas regiões e o
Rio é a desorganização social. O
problema dessas análises muito descritivas é que você perde
de vista a diversidade que a violência tem no Brasil. Talvez o
Estado síntese dessa diversidade seja Pernambuco.
FOLHA - Por que Pernambuco ocupa o topo do ranking?
BEATO - Pernambuco sempre
se destacou historicamente,
mas a gente precisa entender
melhor. E não é só Pernambuco. Isso alcança alguns municípios no norte da Bahia, Alagoas
e Rio Grande do Norte. É uma
região onde tem pistolagem,
coronelismo, uso privado de
armas para resolver conflitos
de uma forma muito generalizada. Mas Pernambuco também tem a região metropolitana de Recife. Lá, as pessoas se
matam por motivos tradicionais, mas há também componentes da deterioração das
grandes cidades.
FOLHA - É o pior dos dois mundos?
BEATO - Ali tem uma mistura
de tudo. Outro dia o presidente
[Lula] disse que os diagnósticos estão prontos. Acho que
não estão. No caso de Pernambuco, a gente não sabe exatamente quais são todas as razões. Tem o problema da violência associada à urbanização.
Ninguém sabe o que fazer com
as ocupações informais, como
resolver a questão das favelas.
FOLHA - Isso não seria criminalizar
as favelas?
BEATO - Não, não me refiro a
todas as favelas. Esse fenômeno pode ser observado nas cidades: algumas áreas concentram uma proporção muito maior de crimes do que outras.
Em Belo Horizonte, há 110 favelas, mas oito delas são responsáveis por quase 40% dos
homicídios. O problema é a favela associada a algumas condições de desorganização. Favela
em si é um problema para o
planejador. Favela com violência é um problema adicional.
Essas favelas com violência são
poucas. O Rio de Janeiro tem
650 favelas e não são mais do
que 30, provavelmente, as que
têm problemas acentuados.
FOLHA - Pelo estudo, 10% dos municípios concentram 72% dos homicídios. Pelo seu raciocínio, dá para concluir que os crimes contra a vida
são um problema localizado?
BEATO - Não é verdadeira essa
idéia de que o crime se distribui de forma aleatória e dispersa. Crime sempre é concentrado. As regiões metropolitanas
do Rio e de São Paulo concentram 40% dos homicídios.
FOLHA - Dá para concluir que o problema está onde sempre esteve?
BEATO - As áreas metropolitanos do Rio e de São Paulo concentram quase a metade dos
homicídios do Brasil. É mais
um motivo pelo qual não gosto
dessa coisa das pequenas cidades. Salvo casos crônicos, nosso
grande problema está nas áreas
metropolitanas. Esse fenômeno tem nome: lei de Pareto. Da
mesma forma que a riqueza se
concentra nas mãos de poucas
pessoas, o crime se concentra
em poucos lugares e é cometido por poucas pessoas. Belo
Horizonte é dividida em 2.500
setores censitários e só oito setores são responsáveis por 15%
dos crimes violentos. Sempre é
um problema concentrado. Aí
as pessoas pensam: então é fácil enfrentar o problema da
violência.
FOLHA - Não é fácil?
BEATO - É fácil desde que você
saiba exatamente quais são essas regiões. Não é usual as organizações da Justiça fazerem
esse tipo de levantamento. Você sabe quais são as favelas do
Rio que concentram a violência? Tenho a impressão que
nem a polícia do Rio tem esse
tipo de dado. Isso requer um
manejo de informações muito
grande. Daí a dificuldade. O
que é certo é que Rio e São Paulo concentram uma quantidade
grande de crimes e mereceriam
uma atenção especial, assim
como as principais regiões metropolitanas. Não me preocuparia com os pequenos municípios, a não ser por uma questão
estratégica no sul do Pará, por
causa dos conflitos de terra.
FOLHA - Diadema foi chamada de
cidade-modelo no combate à violência, mas está em 30º lugar no
ranking nacional e em 2º no Estado.
Os especialistas erraram?
BEATO - Diadema tem a ver
com o fato de que São Paulo
tem diminuído seus índices.
Diadema é um caso bem sucedido. O que não entendemos
muito bem é onde entra o componente Diadema e onde entra
o componente São Paulo.
FOLHA - O que deu certo lá?
BEATO - Diadema adotou o modelo em que o administrador
municipal se envolveu diretamente com a questão. Normalmente, os prefeitos não fazem
isso -têm um visão muito conservadora da violência. Acham
que é um problema de polícia.
Como quem tem controle sobre a polícia é o governador,
não se envolvem. Em Bogotá e
Medellín, tão elogiadas no
mundo, foram prefeitos que
encararam o problema. Agiram
tanto na articulação entre as
polícias como no desenvolvimento de programas sociais.
Alguns que até tenho dúvidas,
como o fechamento de bar.
FOLHA - Fechamento de bar não foi
importante em Diadema?
BEATO - Não sei. Diadema adotou 30, 40 ações diferentes. As
pessoas exaltaram muito a
questão de fechar os bares porque o público adora soluções
fáceis, mas isso não existe. Diadema foi um caso bem sucedido, mas está muito longe de ser
um lugar tranqüilo. O mesmo
ocorre em São Paulo.
FOLHA - Por que São Paulo diminuiu algumas taxas em proporções
maiores que as de Bogotá?
BEATO - No caso de São Paulo,
o importante foi o investimento feito em segurança pública
desde a época de Mário Covas
[1995-2001]. Covas fez cortes
em quase todas as áreas, menos
em segurança. Hoje o sistema
de segurança de São Paulo é
um dos mais bem montados do
país. Apareceram outros problemas. Tiraram criminosos
das ruas, mas permitiram que
se organizassem nas prisões.
FOLHA - E as políticas sociais?
BEATO - Eu ia falar disso. Ao lado do investimento em segurança, em prisões, você teve
um sem número de atividades
de sociedade civil, de programas em escolas, no Jardim Ângela. A gente não sabe o impacto desses programas. Houve
uma reação da sociedade contra a violência. Algumas prefeituras, tal como a de Diadema,
começaram a se envolver no
combate à violência. Os governos também desenvolveram
um grande número de projetos
sociais. Você não reduz crime
com uma medida só, é sempre
uma somatória de ações.
FOLHA - O que Santa Catarina tem
de tão diferente para ter o mais baixo índice de homicídios?
BEATO - Se fosse arriscar um
palpite, diria que a desorganização é que propicia o surgimento de crime no Brasil. Ele
surge em lugares que têm pouco controle sobre a atividade
dos jovens, que têm pouco controle sobre o contexto urbano
-sujeira, grafitagem, vandalismo, consumo de drogas em público. Santa Catarina tem um
capital social melhor. A capacidade das pessoas de se mobilizarem para fazer frente a esse
tipo de problema é maior. Se
você reparar bem, Santa Catarina tem mais problemas nas
áreas com maior população
flutuante, o que dificulta esse
tipo de mecanismo de controle.
Nas áreas turísticas, o controle
social é menor e por isso há
mais violência. Controle social
é a palavra-chave. Uma das coisas feitas em Bogotá foi tentar
desenvolver mecanismos pelos
quais as pessoas passassem a
colaborar e controlar uma às
outras. Pegue esse fenômeno
dos meninos no meio das ruas
nos centros das cidades. Você
anda no centro de São Paulo e
dá vontade de chorar. Isso o
que é? É claramente a ausência
de rede de proteção para essa
garotada. Conseqüentemente,
eles acabam se envolvendo
com o crime. Falta a sociedade
dizer: peraí, criança no meio da
rua não pode! Isso acontece na
Europa. Nessas favelas, uma
das coisas que mais salta à vista
é a enorme quantidade de
crianças sem nenhum tipo de
supervisão nas ruas. Essa ausência de controle leva à desorganização daquela comunidade. Onde você junta um monte
de gente sem laços com aquele
local, elas não vão se preocupar
em cuidar da vizinhança.
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