São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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MARANHÃO

Descendentes de escravos que tiveram terras desapropriadas nos anos 80 passam a ocupar periferia de Alcântara

Assentados em agrovilas têm saudade de quilombos

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALCÂNTARA

Empobrecimento e perda de identidade cultural ameaçam a sobrevivência de pelo menos 21 comunidades de descendentes de escravos no município de Alcântara (MA).
Com a construção do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara, uma base de foguetes da Aeronáutica), nos anos 80, cerca de 2.000 descendentes de moradores de antigos quilombos foram expropriados e transferidos para as chamadas agrovilas.
Na época, cerca de 620 km2 foram desapropriados -quase metade da área do município. Os descendentes de escravos, que viviam da pesca e da agricultura, foram levados para localidades distantes do mar e com solos impróprios para o cultivo.
Os 21 grupos -divididos em 400 famílias- foram alojados em apenas sete agrovilas, o que alterou as relações sociais e levou à perda de identidade territorial. De uma área média de 30 hectares para cada família, eles se mudaram para um local onde os lotes não ultrapassam 15 hectares.
Antes do remanejamento, cada comunidade era especializada na produção de um determinado alimento, principalmente arroz, mandioca, milho e feijão. As trocas eram a base da economia.
O descendentes reclamam que, de livres usuários da natureza maranhense, se transformaram em pequenos proprietários de terras improdutivas. Além disso, pedem há pelo menos 15 anos a documentação de suas casas, construídas pelo governo federal.
Os integrantes da comunidade Cajueiro, retirados em 1985 de uma área à beira-mar e assentados no mesmo ano em uma agrovila no interior de Alcântara, chegam a passar quatro dias longe de casa para conseguir pescar na praia mais próxima.
Impossibilitados de produzir em quantidades a que estavam habituados, os descendentes de escravos estão aos poucos abandonando as áreas que ocuparam durante dois séculos, desde a fuga das fazendas dos grandes senhores de engenho, no século 19.
Os ex-quilombolas têm se instalado nas periferias de Alcântara e dos municípios da região metropolitana de São Luís. Segundo professores, sindicalistas e representantes de ONGs, cerca de 30% dos 2.000 remanejados já abandonaram as agrovilas.
Quando houve o remanejamento, cada família recebeu uma casa de alvenaria, sem esgoto e água encanada. O problema de moradia se agravou quando os filhos dos antigos chefes de família passaram a se casar.
"Há um sistema de crenças que liga esses camponeses à terra, levando-os a identificá-la como dádiva divina para ser utilizada por todos", disse Maristela de Paula Andrade, professora de antropologia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).
Outra atual preocupação dos descendentes de quilombos de Alcântara é a possível ampliação da área do centro de lançamentos, prevista em acordos para a utilização da base de foguetes em negociação com Estados Unidos, Rússia e Ucrânia. O acordo com os EUA está sendo analisado pelo Congresso.
Uma nova desapropriação atingiria cerca de 400 famílias, que teriam de ocupar áreas já povoadas de Alcântara.
Segundo Carlos Aparecido Fernandes, 37, doutorando em geografia na USP (Universidade de São Paulo), existem hoje cinco segmentos de famílias de quilombolas na cidade: as deslocadas para as agrovilas; as que serão retiradas em breve da chamada "área de segurança"; as que estão fora das áreas de deslocamento; as que estão excluídas da área de remanejamento mas sofrem com a chegada de outras comunidades em suas terras; e as que preferiram ir para as cidades.


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