São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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Governo quebra patente e ameaça outros remédios

Presidente diz que repetirá a medida se laboratórios praticarem preços injustos

Ministério estima economizar US$ 30 mi em 2007 com a quebra da patente do Efavirenz, remédio utilizado no tratamento da AIDS

EDUARDO SCOLESE
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou ontem a primeira quebra de patente de um medicamento no Brasil -o Efavirenz, do laboratório americano Merck Sharp&Dohme, usado no tratamento da AIDS -e ameaçou repetir a medida com outros fabricantes se considerar que os preços praticados são injustos.
O governo pretende importar cópias não-patenteadas do remédio, fabricadas por três laboratórios da Índia, e estima economizar US$ 30 milhões em 2007 com a troca. Diz que não há perda de qualidade ou risco de desabastecimento.
"[É] um passo importante. Vale para este remédio, mas para tantos outros quanto necessário", disse Lula. "Se não tiver com os preços justos, não apenas para nós, mas para todo ser humano no planeta que está infectado, temos que tomar essa decisão. Afinal de contas, entre o nosso comércio e a nossa saúde, vamos cuidar da nossa saúde", disse, sob aplausos e urros de funcionários ou profissionais ligados ao programa DST/ Aids do governo.
Após a cerimônia, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) disse que no momento não há outros remédios sob ameaça de licenciamento compulsório.
Para ele, o país continuará tendo "uma relação aberta, transparente e franca" com todos os laboratórios fornecedores e garantiu que não há uma lista de "próximos" para o licenciamento compulsório.
Na realidade, o licenciamento afeta duas patentes, a do Efavirenz (expira em 2012) e a de um componente do processo de fabricação (2016).
O licenciamento vale até 2012 mas pode ser prorrogado. O governo não poderá comercializar os remédios importados dos laboratórios indianos Ranbaxy, Cipla e Aurobindo. Poderá apenas distribuí-los em seus programas de saúde.
O governo tentou pressionar a Merck a reduzir o preço do Stocrin (nome de marca do Efavirenz) de US$ 1,59 para US$ 0,65 (comprimido de 600mg). As negociações começaram em novembro de 2006. Em 24 de abril, portaria declarou o "interesse público" do remédio. Na sexta passada, houve uma contraproposta de 30%, que não foi considerada "séria". A exigência era 60%.
A ameaça de quebra já rendeu descontos em dois antiretrovirais (que inibem a multiplicação do HIV). Em 2001, José Serra (PSDB), então ministro, ameaçou quebrar a patente do Nelfinavir da Roche. Em 2003, Humberto Costa (PT) usou a mesma estratégia com o Kaletra, da Abbott.
O Efavirenz é distribuído hoje a cerca de 75 mil pacientes gratuitamente, e o custo programado antes da quebra da patente era de US$ 42 milhões.
A quebra da patente foi comemorada por uma claque eufórica, que até cantou o Hino Nacional, no evento do Palácio.
Em seu discurso, Lula disse que o governo tomou todos os cuidados na elaboração da medida a fim de evitar uma punição por parte da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Brasil sustenta que a patente continua respeitada porque haverá pagamento de 1,5% de royalties para Merck -exigência que consta do acordo Trips, de propriedade intelectual, da OMC para casos de licenciamento compulsório em situações de emergência nacional ou interesse público.
"O Brasil não pode ser tratado como se fosse um país que não merece ser respeitado, ou seja, pagarmos US$ 1,60, quando o mesmo remédio é vendido para outro país a US$ 0,60", disse Lula. "É um desrespeito. Como se o doente brasileiro fosse inferior ao da Malásia."
O governo diz que países desenvolvidos também já fizeram o licenciamento compulsório. Seria o caso da Itália, que quebrou patente de três remédios (para hipertrofia de próstata, enxaqueca e um antibiótico).
No caso de antiretrovirais, Tailândia, Malásia, Indonésia e Moçambique já quebraram patentes, mas houve retaliações.
Lula e Temporão também criticaram governos passados, sem citar nomes, pela "destruição da indústria farmo-química de base" durante o final dos anos 80 e os anos 90.


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