São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2004

Próximo Texto | Índice

EDUCAÇÃO

Professores corrigiram redações feitas nas unidades em que lecionam; governo já apura "maquiagem" de notas

Auto-avaliação mediu qualidade de escola

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

No Saresp 2003 -avaliação do desempenho escolar feita pelo governo de São Paulo-, os professores aplicaram as provas de redação e corrigiram esses testes nas mesmas escolas estaduais nas quais regularmente lecionam.
É a primeira vez desde 1996, quando o Saresp foi instituído, que a correção se dá sem rodízio entre os profissionais de diretorias de ensino. Ou seja: nas edições anteriores da avaliação, professores de uma região corrigiram provas dos alunos de outra.
O fim do rodízio para a correção das redações acontece no mesmo ano em que o Estado pagou R$ 9,9 milhões à Fundação Carlos Chagas por uma avaliação externa de todos os alunos, sob alegação de maior isenção e objetividade no exame. Mas só as provas objetivas (leitura e interpretação de textos) foram corrigidas pela fundação.
A Secretaria Estadual da Educação diz que havia uma recomendação para que professores avaliassem alunos de classes para as quais não lecionam. Mas, na prática, isso nem sempre ocorreu.
Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp (associação dos professores da rede estadual), diz que vários professores relataram ter sido orientados por diretores a agir com "certa condescendência na correção das provas".
"É óbvio que, com uma orientação dessa, professor nenhum iria expor o seu aluno a uma nota baixa", afirma a professora Maria Regina de Souza Sena, uma das conselheiras da Apeoesp.
Roberto Leme, presidente da Udemo (associação que reúne dirigentes do ensino estadual de São Paulo), diz que nenhum dirigente de ensino admitiu ter orientado os professores nesse sentido.
A Folha conversou com dez professores da capital, do litoral e do interior que corrigiram provas e que, com a condição de não serem identificados, confirmaram a orientação de condescendência. As entrevistas estão gravadas.
"Se o aluno conseguisse se comunicar, mesmo que com erros de grafia ou de concordância, mesmo que de maneira confusa, era para dar uma nota boa", diz J., professora de português que leciona no centro de São Paulo.
"A orientação da diretoria de ensino foi para valorizar a criatividade e a idéia do aluno e não ficar preso às questões de gramática", afirma L., professora de português no interior. Ela é uma das pessoas que corrigiram redações de seus próprios alunos.
Na opinião do educador Cesar Callegari, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação), o fato de os professores avaliarem seus próprios alunos macula o resultado do teste. "Não pode existir envolvimento do examinador com o examinado."
Segundo Sônia Maria Silva, coordenadora de estudos e normas pedagógicas da Secretaria Estadual da Educação, os professores foram orientados a corrigir as provas de acordo com os critérios estabelecidos pela secretaria e pela Fundação Carlos Chagas.
Ela diz que os possíveis casos de "maquiagem" de notas dos alunos estão sendo apurados pelas diretorias de ensino.
O resultado do Saresp, divulgado parcialmente no dia 23, surpreendeu pelo bom desempenho dos alunos, já que o Saeb (avaliação do governo federal) revelara dados bem diferentes.
O Saresp avaliou 4.274.404 estudantes, o que corresponde a 89,4% do total da rede do Estado. Mais da metade deles teve desempenho considerado adequado nas provas objetivas e de redação.
Os dados do Saeb, porém, indicam que nas séries avaliadas (4ª e 8ª do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) a taxa de adequação em língua portuguesa não chegou a 10% dos alunos.
Em 2001, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) decretou que as notas do Saresp fossem um dos itens utilizados na composição do bônus dado aos gestores das escolas (diretores, supervisores e coordenadores) uma vez por ano. Em 2002, o benefício chegou aos professores da rede estadual.
A Secretaria da Educação informou que, em 2003 e neste ano, o resultado do Saresp não foi utilizado para a concessão do bônus. Os critérios básicos foram a assiduidade, as ações desenvolvidas nas escolas, o índice de evasão escolar e a configuração da escola (alunos atendidos e tamanho, por exemplo). Neste ano, o valor do bônus -referente a 2003- variou de R$ 1.200 a R$ 7.000.
Segundo o presidente da Apeoesp, os critérios para a concessão do benefício não são claros. "Os professores não sabem ao certo o que compõe o valor do bônus. Pensam que a nota do Saresp continua valendo pontos."


Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.