São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN

O professor do futuro

Numa pesquisa de opinião concluída na semana passada sobre o futuro do ensino superior, uma parcela expressiva de alunos da Universidade de São Paulo -18%- disse acreditar que o professor tem os dias contados. Não conseguiria sobreviver às novas tecnologias, perdendo a guerra contra as máquinas.
Essa visão radical, digna de filme de ficção científica, está ancorada na crença de que os novos meios de captação e transmissão de dados vão mudar o jeito como ocorre o aprendizado.
O levantamento foi conduzido pela Escola do Futuro, laboratório de tecnologia educacional da USP, com base numa amostragem de 280 alunos de comunicação, administração, economia, psicologia, engenharia, direito, medicina e educação. Nos cenários imaginados, a pesquisa revela, por tabela, medos, frustrações e esperanças da elite universitária brasileira.
É generalizada a convicção de que a aprendizagem será contínua ao longo da vida (98%); muitas das aulas serão dadas à distância (62%), o aluno poderá montar seu próprio curso (55%), ferramentas como TV, vídeo e teleconferência serão primordiais (55%). Por consequência, as salas de aula não teriam lugar físico específico (41%).
A partir dessas constatações, natural que uma fatia considerável suponha -e, diga-se, com uma boa dose de razão- que, no futuro, o diploma perderá importância. Afinal, o estudante iria aprender mesclando experiências profissionais, ajudado por múltiplos mecanismos espalhados pelos mais diversos locais.
"Há uma sensação de que tudo, ou quase tudo, vai ser diferente", afirma Oriana White, professora de marketing e responsável pelo levantamento.
O futuro, aliás, já é passado. Já está funcionando, baseada na USP e envolvendo várias universidades dentro e fora do Brasil, a chamada "Cidade do Conhecimento" - uma rede de comunicação on line que une estudantes e profissionais.

Independentemente de qualquer cenário que possa parecer ficcional, a imagem do professor tradicional, aquele das aulas expositivas, não é das melhores.
Os alunos foram indagados sobre qual a melhor forma de aprender: 31% apontaram as aulas expositivas. Empate com quem prefere "estudar sozinho em casa ou na biblioteca" (30%). Em seguida, deu "trabalhos em grupos/seminários" (20%), e, depois, "pesquisas práticas" (14%). Ou seja, a minoria vê no professor expositivo o melhor caminho para o saber.
São nítidas, na pesquisa, a insegurança diante da velocidade da produção do conhecimento e a percepção de defasagem da escola com a realidade. O principal anseio é que diminua ou desapareça a diferença entre a profissão, submetida a velozes mudanças, e a sala de aula.

No caso da USP, por exemplo, onde foi realizada a pesquisa, pode-se ver a educação do futuro não apenas dentro, mas, especialmente, fora de seus mais requintados laboratórios.
A universidade desenvolve uma fértil experiência de composição de seus programas de extensão para que os alunos atuem na comunidade, o que vai da alfabetização de adultos, apoio a escolas na periferia e assessoria tecnológica a pequenos e microempresários a incubadoras de empresas.
O papel da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e Atividades Especiais (Cecal) é fazer com que os alunos de diferentes faculdades trabalhem juntos, cada qual utilizando seus conhecimentos, nas mesmas tarefas. Ajudar uma escola da periferia pode envolver desde a Faculdade de Educação, passando pelos arquitetos, médicos, engenheiros, físicos, químicos, biólogos. Investe-se nas instalações, no currículo, na formação dos professores e na saúde dos estudantes e de seus familiares.
Um dos mais importantes cursos de administração do país, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, montou um núcleo para aproximar prática e teoria. Esse núcleo tem como missão investigar casos concretos de administração e repassá-los aos alunos e professores. Investigam-se, ao mesmo tempo, novos mecanismos de transmissão de dados.
Nessa aproximação entre saber e fazer está o valor das chamadas empresas juniores das faculdades, que projetam os estudantes nos desafios profissionais. E também o valor das faculdades que conseguem atrair para suas fileiras professores bem-sucedidos em suas carreiras, capazes de compartilhar experiências.

É um equívoco imaginar que a universidade do futuro será aquela que melhor lidar com as máquinas. Bobagem. A boa escola será aquela que submeter seus alunos à maior quantidade possível de experimentações e pesquisas, nas quais o professor desempenhe o papel de facilitador.
Aulas expositivas, de fato, podem perfeitamente estar em um arquivo na internet, acessíveis a qualquer um.
O professor, portanto, passa a ser ainda mais importante na seleção das informações essenciais.

PS -Por ser um valioso documento sobre a mentalidade de uma geração, coloquei a íntegra da pesquisa dos alunos no site da Cidade Escola Aprendiz: www.aprendiz.org.br. O site da "Cidade do Conhecimento" é: www.usp.br/iea/cidade.



E-mail: gdimen@uol.com.br



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