São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ÉTICA NA PROFISSÃO

Categoria vai votar em assembléia proposta que torna obrigatória revelação de casos que envolvam violência

Psicólogos reavaliam quebra de sigilo


FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma proposta polêmica está em debate nos conselhos regionais de psicologia e será colocada em votação em assembléia da categoria em dezembro. Pela minuta do novo código de ética em elaboração, o psicólogo terá o dever de quebrar o sigilo profissional quando pacientes admitirem ter sofrido ou cometido uma violência.
A proposta veio de um fórum preliminar da categoria, ocorrido em novembro de 2003, e dificilmente será derrubada, segundo avaliação de dirigentes dos próprios conselhos.
Atualmente, o código de ética da categoria, que é de 1987, deixa a decisão a critério do psicólogo. A quebra do sigilo só é admissível quando a gravidade do fato delituoso criar um "imperativo de consciência" ao profissional. Ou seja, é um direito, e não um dever.
Segundo Ana Bock, eleita presidente do conselho federal da categoria -assumirá em dezembro-, serão necessárias regulamentações posteriores sobre o assunto. Mas ela considera que o paciente sempre deve ser avisado das regras pelo psicólogo.
"A decisão deixa de ser individual e passar a ser um princípio ético. Os profissionais têm medo de denunciar. Agora [na proposta que será votada], há um respaldo", afirma Elisa Zaneratto Rosa, presidente da comissão de ética do Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo.
Uma das intenções da mudança é regulamentar melhor a questão do sigilo, tanto para evitar possíveis abusos como omissões.
O código prevê, para todas as infrações, punições que vão de advertência à cassação do registro. Sua reformulação é debatida desde 1998 em congressos da categoria, que já reúne 130 mil profissionais registrados. Em novembro de 2003 houve um fórum sobre ética em Brasília, que acolheu sugestões de todas as instâncias regionais dos conselhos.
Segundo Rosa, o código está defasado em relação à legislação que apareceu depois de sua elaboração, como a própria Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e o recente Estatuto do Idoso.
Além disso, afirma ela, o código não acompanhou a expansão da psicologia em outras áreas, como a de pareceres sobre a guarda de crianças. Como diz a psicóloga, os profissionais estão em todos os lugares, lidam com diferentes populações e estarão cada vez menos entre as paredes do consultório.
"É uma mudança na caracterização da profissão", diz Rosa sobre as alterações no código. "Fica clara a bandeira do compromisso social da psicologia."
"Tudo aquilo que é ilícito deve ser denunciado", afirma o advogado do conselho regional Marcelo Del Chiaro. "O que se está querendo é nortear um princípio quanto a isso. Os profissionais estão perdidos. Os conselhos, como autarquias, sofrem pressão do Ministério Público."

Certo ou errado?
Casos sobre a quebra de sigilo que chegaram à comissão de ética do conselho regional de São Paulo mostram diferentes posturas dos profissionais e que é necessária uma regulamentação, aponta Rosa. Os personagens foram embaralhados para dificultar sua identificação.
Em um dos casos, o psicólogo, ao ter contato com um parente de vítima de agressões e ameaças, contou tudo a ele, na expectativa de que agisse contra a situação.
A paciente relatava a violência ao profissional, que a orientava, mas a vítima não tomava providências e corria sérios riscos.
Em outro caso, em uma instituição que atende crianças, vários psicólogos ouviram relatos, de uma delas, sobre supostos abusos praticados por adultos. Rosa conta que ninguém fez nada, dizendo que se tratava apenas de uma suspeita. Mas depois ficou provado que era tudo verdade.

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