São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010 |
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GILBERTO DIMENSTEIN A independência está em jogo
AFICIONADOS por videogames, jovens que moram em Recife aprenderam uma série de truques capazes de manter crianças e adolescentes concentrados por horas na frente do computador entretidos com jogos. Nos últimos anos, montaram empresas e já exportam esses jogos para vários países. Agora, eles se juntaram numa experiência que drena essa mesma capacidade de concentração dos jogadores de videogame para assuntos que, à primeira vista aborrecidos e desinteressantes, não costumam despertar nem um minuto de atenção. Assim nasceu uma olimpíada de jogos digitais. Com o mesmo ritmo e emoção dos videogames que atraem milhões a LAN houses, os jogos da olimpíada inovam porque obrigam os usuários a pesquisar informações de química, física, biologia e matemática. Esse tipo de experiência traz um novo conceito de independência, bem distante das paradas militares. Esse novo conceito é que alimenta a iniciativa de combinar a comemoração do bicentenário da independência (2022) com as metas educacionais. Afinal, na ignorância, ninguém é independente. Uma das consequências desse movimento é que, na semana passada, em Brasília, lideranças empresariais, acadêmicas, sindicais e sociais criaram um documento, a ser entregue a todos os candidatos, pedindo melhor qualidade de ensino. É possível que 2010 seja visto no futuro como o ano em que se explicitou o consenso em torno do ensino público como indispensável para uma nação civilizada. Não vi nada mais relevante no debate eleitoral. Se há consenso nas metas, o que divide as opiniões é como chegar lá. Exatamente aí entra a experimentação dos jovens de Recife. As lideranças que pensam o futuro do país -inclusive os educadores- são da era analógica, mas os jovens são nutridos, desde o berço, pela dimensão digital. São de uma geração que vive num ritmo hiperativo em tempo real e acredita que o entretenimento deve fazer parte do dia a dia, tanto na escola como no trabalho. Não é por outro motivo que, em pesquisas, o Google aparece como a empresa dos sonhos dos jovens. Ainda não sabemos muito sobre o impacto da tecnologia na absorção do conhecimento, mas já há neurocientistas que pesquisam as alterações que as tecnologias impõem ao funcionamento do cérebro, modificando os padrões de aprendizagem. A experiência de Recife, nascida no parque tecnológico Porto Digital, é desenvolvida por jovens que ainda estão na fronteira da adolescência, mas que se dispuseram a ser educadores. Eles montaram um consórcio chamado Joy Street e tiveram de aprender a usar os conhecimentos requeridos em testes escolares (como o Enem) para construir os jogos. Isso viabiliza que se transforme uma LAN house numa extensão da escola. A geração analógica de educadores está perdendo a chance de agregar esse tipo de ambiente, onde, efetivamente, estão os jovens. A olimpíada começa na escola, mas as redes sociais fazem que a disputa não tenha grade de horário e ocorra em qualquer lugar. Demora cinco meses, leva os jogadores a criar redes sociais pela internet e, em certos casos, a percorrer presencialmente espaços da cidade -museus, por exemplo- para resolver enigmas. Promovida pelos governos estaduais, a olimpíada começou com alunos de Pernambuco e se expandiu neste ano para o Rio. Antes de se disseminar pelo resto do país, ainda vamos ter de ver seu impacto no desempenho dos alunos. O que mais me chamou a atenção nessa olimpíada foi a retomada da tradição clássica do professor, visto não como um propagador de conteúdo, mas como um mestre, um gerenciador de curiosidades. A olimpíada foi montada de modo que o professor das escolas fosse um consultor permanente, orientando os alunos, que aprendem em qualquer lugar e a qualquer hora, exatamente como os empregados de empresas inovadoras, obrigados a nunca parar de absorver novos conhecimentos. Afinal, o que está em jogo na nossa independência é sermos autônomos. Para isso, nada é mais importante do que um bom professor. O resto é a escravidão da ignorância. Nesse conceito de independência, não temos uma parada militar. Quem puxa os desfiles são os professores, e a arma é o conhecimento. PS- Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) mais detalhes sobre a experiência das olimpíadas. gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Rodoanel sul socorre sete por dia com pane seca Próximo Texto: Novo Sesc na zona leste Índice |
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