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OPINIÃO
É fácil culpar os filmes
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Só uma espécie de licença poética do mal permite que se force
qualquer relação entre o ato tresloucado de Mateus de Costa Meira e o filme "Clube da Luta" de
David Fincher. Vincular a arte e a
tragédia pode conferir ainda
maior dramaticidade ao ocorrido,
mas nada ajuda a explicá-lo.
Primeiro: em depoimento à polícia, o estudante confessou planejar uma ação semelhante há sete anos. Muito antes, portanto, de
sequer o livro que originou o filme ter sido publicado.
Segundo: o próprio Meira, em
entrevista ao repórter Renato
Lombardi de "O Estado de S. Paulo", disse ter escolhido o filme
"aleatoriamente". "Entrei no cinema e não sabia o que ia fazer",
afirmou.
Mais tarde, novas versões surgiram. Tanto Meira quanto seu psiquiatra afirmaram ter sido a escolha intencional. O estudante afirmou ter escolhido "Clube da Luta" devido ao caráter "esquizofrênico" de seu protagonista.
Os depoimentos de Meira são
assim conflitantes. Ainda que se
trabalhe com o segundo, Meira
pode ter se identificado com o
personagem vivido por Brad Pitt
e Edward Norton mas essa identificação parece superficial. Sua investida assassina não guarda semelhanças com o tipo de comportamento violento da personagem.
No filme de Fincher, a agressividade é sobretudo corporal, de socos, cotoveladas e pontapés, até
alcançar o delírio terrorista final,
sob a forma da explosão de prédios que sediam as centrais de
cartões de crédito.
Não foi o esquizofrênico interpretado por Pitt-Norton o modelo para o ataque de Meira. O jovem baiano mimetizou, isto sim,
a ação dos "serial killers" americanos, desses que a cada semana
alimentam as manchetes (anteontem Hawai, Seattle ontem).
Se fosse preciso apontar uma inspiração externa, qualquer telejornal seria melhor candidato que o
filme de Fincher.
Terceiro: desde a aurora do cinema discute-se regularmente a
tese da catalisação demoníaca pelos filmes dos piores instintos humanos -sexo, vício e violência,
para ser preciso. O mesmo acontecera antes com livros e peças de
teatro. Fato é que obras de arte espelham, muito antes do que pretensamente provocam, a selvageria que é própria do homem. Mas
é muito mais fácil vociferar contra
o que se passa nas telas do que
combater a guerra concreta das
ruas. Libertinagem com armas,
não com filmes, é o real problema.
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