São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2000

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OBSTETRÍCIA
Conferência em Fortaleza debateu formas de reduzir o índice de nascimentos por cesárea, que chega a 56% no país
Modelo americano de parto é criticado em conferência

DA REPORTAGEM LOCAL

As mulheres brasileiras continuam parindo como parem as norte-americanas. O que pode parecer um luxo significa que mãe e bebê estão sofrendo mais, correndo maior risco de vida, e que o país gastando mais do que precisaria. O modelo americano de parto e nascimento, considerado um dos mais medicalizados e intervencionistas, continua vigente na grande maioria das maternidades brasileiras privadas.
A necessidade de mudança nesse modelo de assistência obstétrica foi a bandeira da Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, que terminou neste sábado em Fortaleza (CE). Representantes de 21 países participaram do encontro que reuniu 1.800 pessoas.
O modelo norte-americano de parto, que já foi considerado ideal, nunca foi adotado na Europa e no Canadá. "O alto índice de cesáreas e a excessiva medicalização do parto aumenta a mortalidade materna e a perinatal, de bebês de até um ano", diz o obstetra Marcos Leite dos Santos, da maternidade da Universidade Federal de Santa Catarina. Santos faz parte da coordenação nacional da Rehuna, Rede Nacional pela Humanização do Parto.
Segundo seus dados, os EUA têm uma taxa de cesárea de 26%, contra 8% na Holanda. No Brasil, a taxa é de 56%, considerando hospitais públicos e privados. A grande maioria das maternidades privadas tem taxa superior a 70%. "Há hospitais no Estado de São Paulo com índices de cesárea acima de 90", diz a médica Daphne Rattner, da comissão organizadora do encontro de Fortaleza.
A taxa de cesárea é apenas um dos itens criticado pelos que defendem o chamado parto humanizado. "Uma série de procedimentos adotados de rotina não encontram nenhuma justificativa médica", diz Santos. Além do desconforto para a mulher, as práticas dobram os custos do parto.
O movimento contra a medicalização do nascimento tem o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e vem sendo defendido pelo Ministério da Saúde. A OMS lista uma série de práticas que considera "danosas ou ineficazes e que devem ser eliminadas" da rotina. Entre elas estão a raspagem dos pelos pubianos, a lavagem intestinal e o parto deitado, sem mudanças de posição.
Também desaconselha a restrição de alimentos e líquidos durante o trabalho de parto, exames vaginais frequentes e repetidos, feitos por mais de um profissional de saúde, e o uso rotineiro da episiotomia, o corte do períneo para ampliar a vulva.
"A maioria dos hospitais adota essas práticas com todas as gestantes", diz Santos. "Aumentam os riscos e os desperdícios", observa Daphne.
Apesar de todos os prós, "a resistência ao parto humanizado ainda é grande, mesmo entre os obstetras", diz João Batista Marinho de Castro Lima, da maternidade Sofia Feldman, de Belo Horizonte. O hospital foi criado em 1982 seguindo todos os preceitos do nascimento humanizado. Foi a primeira maternidade brasileira a adotar as "doulas", voluntárias treinadas para acompanhar as gestantes durante o parto.
Em São Paulo, o Hospital Santa Marcelina, da zona leste, adotou no mês passada "doulas" voluntárias treinadas.
Em outra frente, o projeto Qualis, de Saúde da Família, implantou em Sapopemba (região sudeste) a primeira Casa de Parto da rede pública, onde as mulheres dão à luz sem a presença de médicos. Na noite da sexta-feira, Dalvanice Soares da Cunha, 17, se preparava para o nascimento de Ana Carolina com duchas mornas e exercícios.
Em Recife, a ONG Curumim acaba de publicar com o Ministério da Saúde uma cartilha destinada às parteiras tradicionais. "Só em Pernambuco são 3.000 parteiras cadastradas", diz Paula Viana, enfermeira, parteira domiciliar e um das diretoras e fundadoras do Curumim e do Rehuna.
(AURELIANO BIANCARELLI)



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