São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Jardinagem atrai cada vez mais homens

Cuidar de plantas é hobby comum entre as pessoas do sexo masculino, que buscam relaxar e se "desligar" do mundo

Prática suscita interesse por parte deles por causa do mesmo motivo que move amantes de carros e selos: o ato de colecionar algo

DEBORAH GIANNINI
DA REVISTA DA FOLHA

Assim que acaba o expediente na fábrica, o engenheiro mecânico Geraldo Ferreira, 49, desliga. Pára de pensar em autopeças e concentra sua atenção em begônias e samambaias. Em sua casa, em Interlagos (zona sul), corredores, quintal e onde mais houver espaço são tomados por uma centena de vasos de plantas.
"Eu vivo sob muita pressão, e chega uma idade em que você precisa de alguma coisa para relaxar. Minha vida era igual a de muita gente que se esparrama em frente à TV no fim de semana e fica reclamando que não há nada para assistir. Hoje, junto minha mulher e os amigos e nos sentamos lá fora (no jardim); conversamos, ficamos mexendo nas plantas", conta.
Num cenário em que, tradicionalmente, boa parte dos integrantes do sexo masculino mal sabe diferenciar repolho de alface americana, os moços que se metem com rosas e avencas por puro prazer costumam provocar surpresa. Jardinagem por hobby é coisa de inglês, diz o senso comum. E se isso estiver mudando?

Maioria
Nos cursos de jardinagem e paisagismo do Senac, os homens já são maioria. "O interesse deles vêm aumentando progressivamente, sobretudo nos últimos dois anos. Acredito que hoje haja menos preconceito e mais necessidade de estar mais próximo da natureza", explica a professora Roselaine Faraldo Myr Sekiya, do Senac.
O "jeito masculino" de ser confere certas peculiaridades na interação com o mundo botânico, diz ela: homens tendem a ser mais práticos. Eles gostam de "planejar" o canteiro, "administrar" o trabalho diário e têm mais "foco" na produção.
Geraldo, por exemplo, tem uma agenda específica para organizar as atividades no jardim. Nela anota os dias de poda, troca de vaso e adubação de cada uma das centenas de plantas. "No meu trabalho na fábrica, meu objetivo é conseguir a maior produção no menor tempo e com menos pessoas. Acabo levando isso para o meu jardim", diz o engenheiro.
O que parece encantar os homens na arte da jardinagem é a mesma chama que move amantes de carros e selos: o ato de colecionar. "Os homens ambicionam ter aquela espécie que ninguém tem, gostam de colecionar", afirma Creuza Mulller, orquidófila e professora da escola Orquídea da Mata.
Segundo a Associação Orquidófila Paulista e a Sociedade Bandeirante de Orquídeas, no passado, o público masculino monopolizava ambos os órgãos. De dez anos para cá, o número de mulheres vem aumentando, mas eles ainda formam 70% do contingente.
Mas rosa, ao que se sabe, é território feminino. Ou não?
"A rosa é uma planta muito antiga, cultivada por grandes estadistas como Júlio César e Napoleão. Eles diziam: "Quero me retirar, ir para um pequeno castelo cuidar de uma roseira'", revela o administrador de empresas Marcelo Platzeck, 39.
No lugar do castelo, Marcelo foi para uma fazenda nos arredores de Sorocaba (100 km de SP), mas arrumou roseiras para cuidar. Precisamente 2.500.
Há três anos, desde que assumiu a gerência da fazenda de reflorestamento da família, são as rosas que o entretém. "Nesse passeio que dou todo dia pelas roseiras, descubro coisas que, se deixasse para o outro dia, talvez fosse tarde demais."

Vida e morte
Um dos poderes terapêuticos da jardinagem, principalmente sobre os homens, é justamente o de sincronizá-los com o tempo da natureza, acredita o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP. "Normalmente, por causa da gestação, a mulher tem uma relação com o tempo mais natural que o homem."
Sem saber, o roseiro Marcelo praticamente repete o discurso: "Percebi que cada uma tem seu tempo, uma abre mais rápido, outra mais devagar."
Assim como outro jardineiro fiel, o engenheiro naval José Luiz Frigerio Paulo, 57, que cultiva bonsais. "É muito interessante ver como a vida se transforma. Você se desliga observando como é o processo da vida. Esvazio a mente", diz ele.
Para José Luiz, cultivar bonsai foi uma forma de trazer árvores frondosas para dentro de casa. "Sempre vivi na praia, mas mudei para São Paulo e, como tenho um jardim pequeno, me aproximei do bonsai."
A primeira coisa que o engenheiro faz ao acordar é ir conferir suas mini-áarvores, dez adultas e outras 50 em "vários momentos da criação".

Dinheiro e poder
O apreço pela coleção ou a busca pela espécie mais exclusiva, que servem de motivação aos homens jardineiros, não vêm de hoje. Quando o cultivo da orquídea começou na Inglaterra, no século 19, a atividade já era símbolo de poder, porque só quem tinha dinheiro dispunha de estufa para manter a planta. Segundo ela, embora o cultivo tenha se popularizado, uma única flor, como a Cattleya Violácea Cerúlea, do Amazonas, chega a custar US$ 20 mil (R$ 42 mil). "Existe orquídeas de fácil cultivo, outras de dificílimas, e os homens encaram isso como desafio", diz Creuza.
Foi justamente o desafio que levou o psicanalista Deocleciano Bendocchi Alves, 75, a iniciar há 20 anos o hobby de colecionar variedades da flor. Hoje, ele tem 800 vasos em casa -segundo sua mulher, pois ele já perdeu a conta. "Já cultivei muitas plantas, como avencas, hibiscos e samambaias, mas comecei a me interessar por orquídeas porque era um desafio, algumas floresciam, outras, muito raramente", afirma.
Quem vê o fotógrafo de surfe Rick Werneck, 45, cuidando de suas plantas na ampla varanda do apartamento do terceiro andar de um condomínio na Barra da Tijuca (RJ), onde mora, pode ter a impressão de que está "rolando um papo de maluco", segundo suas próprias palavras. "Nossa, samambaia, como tá descabelada! Maior vento, hein", diz ele, enquanto rega a própria.
As primeiras samambaias chegaram à casa dele com o objetivo de encobertar a visão da janela do prédio vizinho. Hoje, fazem companhia a árvores de pau-brasil, de vasos de felicidade e de "dinheiro em penca". "Mas as que mais gosto são as plantas espinhudas, como os cactos. Acho fascinante a forma como eles conseguem sobreviver, quase sem água, apenas com a umidade do ar. Gosto também de sua flor, parece coisa de outro mundo."


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