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Jardinagem atrai cada vez mais homens
Cuidar de plantas é hobby comum entre as pessoas do sexo masculino, que buscam relaxar e se "desligar" do mundo
Prática suscita interesse por parte deles por causa do mesmo motivo que move amantes de carros e selos: o ato de colecionar algo
DEBORAH GIANNINI
DA REVISTA DA FOLHA
Assim que acaba o expediente na fábrica, o engenheiro mecânico Geraldo Ferreira, 49,
desliga. Pára de pensar em autopeças e concentra sua atenção em begônias e samambaias.
Em sua casa, em Interlagos (zona sul), corredores, quintal e
onde mais houver espaço são
tomados por uma centena de
vasos de plantas.
"Eu vivo sob muita pressão, e
chega uma idade em que você
precisa de alguma coisa para
relaxar. Minha vida era igual a
de muita gente que se esparrama em frente à TV no fim de semana e fica reclamando que
não há nada para assistir. Hoje,
junto minha mulher e os amigos e nos sentamos lá fora (no
jardim); conversamos, ficamos
mexendo nas plantas", conta.
Num cenário em que, tradicionalmente, boa parte dos integrantes do sexo masculino
mal sabe diferenciar repolho de
alface americana, os moços que
se metem com rosas e avencas
por puro prazer costumam
provocar surpresa. Jardinagem
por hobby é coisa de inglês, diz
o senso comum. E se isso estiver mudando?
Maioria
Nos cursos de jardinagem e
paisagismo do Senac, os homens já são maioria. "O interesse deles vêm aumentando
progressivamente, sobretudo
nos últimos dois anos. Acredito
que hoje haja menos preconceito e mais necessidade de estar mais próximo da natureza",
explica a professora Roselaine
Faraldo Myr Sekiya, do Senac.
O "jeito masculino" de ser
confere certas peculiaridades
na interação com o mundo botânico, diz ela: homens tendem
a ser mais práticos. Eles gostam
de "planejar" o canteiro, "administrar" o trabalho diário e têm
mais "foco" na produção.
Geraldo, por exemplo, tem
uma agenda específica para organizar as atividades no jardim.
Nela anota os dias de poda, troca de vaso e adubação de cada
uma das centenas de plantas.
"No meu trabalho na fábrica,
meu objetivo é conseguir a
maior produção no menor tempo e com menos pessoas. Acabo
levando isso para o meu jardim", diz o engenheiro.
O que parece encantar os homens na arte da jardinagem é a
mesma chama que move amantes de carros e selos: o ato de colecionar. "Os homens ambicionam ter aquela espécie que ninguém tem, gostam de colecionar", afirma Creuza Mulller,
orquidófila e professora da escola Orquídea da Mata.
Segundo a Associação Orquidófila Paulista e a Sociedade
Bandeirante de Orquídeas, no
passado, o público masculino
monopolizava ambos os órgãos. De dez anos para cá, o número de mulheres vem aumentando, mas eles ainda formam
70% do contingente.
Mas rosa, ao que se sabe, é
território feminino. Ou não?
"A rosa é uma planta muito
antiga, cultivada por grandes
estadistas como Júlio César e
Napoleão. Eles diziam: "Quero
me retirar, ir para um pequeno
castelo cuidar de uma roseira'",
revela o administrador de empresas Marcelo Platzeck, 39.
No lugar do castelo, Marcelo
foi para uma fazenda nos arredores de Sorocaba (100 km de
SP), mas arrumou roseiras para
cuidar. Precisamente 2.500.
Há três anos, desde que assumiu a gerência da fazenda de
reflorestamento da família, são
as rosas que o entretém. "Nesse
passeio que dou todo dia pelas
roseiras, descubro coisas que,
se deixasse para o outro dia, talvez fosse tarde demais."
Vida e morte
Um dos poderes terapêuticos
da jardinagem, principalmente
sobre os homens, é justamente
o de sincronizá-los com o tempo da natureza, acredita o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da
PUC-SP. "Normalmente, por
causa da gestação, a mulher
tem uma relação com o tempo
mais natural que o homem."
Sem saber, o roseiro Marcelo
praticamente repete o discurso: "Percebi que cada uma tem
seu tempo, uma abre mais rápido, outra mais devagar."
Assim como outro jardineiro
fiel, o engenheiro naval José
Luiz Frigerio Paulo, 57, que
cultiva bonsais. "É muito interessante ver como a vida se
transforma. Você se desliga observando como é o processo da
vida. Esvazio a mente", diz ele.
Para José Luiz, cultivar bonsai foi uma forma de trazer árvores frondosas para dentro de
casa. "Sempre vivi na praia,
mas mudei para São Paulo e,
como tenho um jardim pequeno, me aproximei do bonsai."
A primeira coisa que o engenheiro faz ao acordar é ir conferir suas mini-áarvores, dez
adultas e outras 50 em "vários
momentos da criação".
Dinheiro e poder
O apreço pela coleção ou a
busca pela espécie mais exclusiva, que servem de motivação
aos homens jardineiros, não
vêm de hoje. Quando o cultivo
da orquídea começou na Inglaterra, no século 19, a atividade
já era símbolo de poder, porque
só quem tinha dinheiro dispunha de estufa para manter a
planta. Segundo ela, embora o
cultivo tenha se popularizado,
uma única flor, como a Cattleya
Violácea Cerúlea, do Amazonas, chega a custar US$ 20 mil
(R$ 42 mil). "Existe orquídeas
de fácil cultivo, outras de dificílimas, e os homens encaram isso como desafio", diz Creuza.
Foi justamente o desafio que
levou o psicanalista Deocleciano Bendocchi Alves, 75, a iniciar há 20 anos o hobby de colecionar variedades da flor. Hoje,
ele tem 800 vasos em casa -segundo sua mulher, pois ele já
perdeu a conta. "Já cultivei
muitas plantas, como avencas,
hibiscos e samambaias, mas comecei a me interessar por orquídeas porque era um desafio,
algumas floresciam, outras,
muito raramente", afirma.
Quem vê o fotógrafo de surfe
Rick Werneck, 45, cuidando de
suas plantas na ampla varanda
do apartamento do terceiro andar de um condomínio na Barra da Tijuca (RJ), onde mora,
pode ter a impressão de que está "rolando um papo de maluco", segundo suas próprias palavras. "Nossa, samambaia, como tá descabelada! Maior vento, hein", diz ele, enquanto rega
a própria.
As primeiras samambaias
chegaram à casa dele com o objetivo de encobertar a visão da
janela do prédio vizinho. Hoje,
fazem companhia a árvores de
pau-brasil, de vasos de felicidade e de "dinheiro em penca".
"Mas as que mais gosto são as
plantas espinhudas, como os
cactos. Acho fascinante a forma
como eles conseguem sobreviver, quase sem água, apenas
com a umidade do ar. Gosto
também de sua flor, parece coisa de outro mundo."
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