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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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Debate sobre situação da terceira idade em São Paulo destaca barreiras que dificultam locomoção

Idosos conquistam direitos, mas sofrem com obstáculos

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como tem acontecido com as mulheres e com as crianças, cujos direitos são cada vez mais reconhecidos e respeitados, também o idoso caminha para ocupar um lugar na sociedade em que não será mais considerado apenas um apêndice, dependente e inútil. De qualquer maneira, essa categoria de cidadãos é obrigada a enfrentar, na cidade de São Paulo, obstáculos urbanos que tornam as vicissitudes inerentes à sua condição ainda mais problemáticas.
Esses foram dois dos consensos a que chegaram, na noite de quarta-feira, os debatedores que participaram da segunda rodada da série "A Vida na Metrópole", que a Folha promove com o apoio da UniFMU, a propósito dos 450 anos da cidade de São Paulo.
O tema do debate -realizado no auditório do Museu Brasileiro de Escultura- foi "Envelhecer em São Paulo". O evento reuniu a professora Ecléa Bosi, coordenadora da Universidade Aberta da Terceira Idade da USP, Mário Amato, empresário e presidente emérito da Federação das Indústrias de São Paulo, e Wilson Jacob Filho, diretor do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. A coordenação foi do jornalista Oscar Pilagallo.
"A humanidade lutou por séculos para acabar com o preconceito contra as mulheres, depois lutou e ainda luta contra preconceitos raciais. Agora, entra no século 21 no combate à discriminação aos idosos", disse Ecléa Bosi, para quem "nenhum fator biológico deve ser motivo de discriminação".

Experiência própria
Mario Amato afirmou à platéia (formada por 125 leitores do jornal previamente inscritos, mais convidados) que estava ali para dar um depoimento da vida de um idoso de 85 anos. "Venho falar do velho por experiência própria", brincou, revelando em seguida que continua na ativa, pratica esportes ou faz ginástica diariamente e trabalha cerca de 14 horas por dia.
Amato recordou que nasceu em pleno surto da gripe espanhola em São Paulo e conseguiu sobreviver, "embora raquítico". Mas, aos 18 anos, "já era um dos homens mais fortes desta cidade". "Por isso digo que nós somos fruto de nossos hábitos e costumes. Não há velhos, há os que já nascem velhos. É preciso, portanto, se tratar, gostar de si mesmo."
O geriatra Wilson Jacob Filho endossou a opinião de Ecléa Bosi quanto à conquista dos direitos dos idosos. "Houve um tempo em que não era dada a palavra à criança, sempre tratada como um cidadão de segunda classe. Dizia-se que ela era a última a falar e a primeira a apanhar. Hoje, a opinião da criança é muito importante. Não tenho dúvida de que isso vai acontecer com o velho num espaço de tempo muito curto."
Jacob Filho lembrou que os conhecimentos científicos em relação ao envelhecimento são muito recentes na comparação com outros campos e que durante muito tempo se procurou apenas combater, buscar a "cura" em vez de se entender o processo.
Ecléa Bosi defendeu a idéia de que o idoso é um ser especial: "Todo idoso se diferencia porque ele tem uma densidade biográfica que os mais jovens não têm. Possuem algo a contar. Portanto, a memória do velho alarga os horizontes da cultura".
A professora se referiu à realização de uma pesquisa durante a qual a história da cidade de São Paulo pôde ser resgatada apenas pelo depoimento de idosos. "Falou-se dos mata-mosquitos de Oswaldo Cruz, da gripe espanhola, das peripécias do ladrão Meneghetti, que roubava dos ricos para dar aos pobres, dos corsos carnavalescos na Paulista, dos bailes do 1º de Maio, da Coluna Prestes, dos enfrentamentos entre comunistas e integralistas na praça da Sé."
Para Ecléa, porém, a memória "enfrenta dificuldades", pois "o meio urbano de São Paulo afasta companheiros cujas relações sociais são imprescindíveis para a memória coletiva. E, quando os que presenciaram os fatos se dispersam, a memória se apaga".
Ainda com relação ao ambiente urbano, Ecléa se referiu à degradação das calçadas da cidade, tema que ocasionou diversas intervenções da platéia. Ela disse que escreveu uma carta à prefeita Marta Suplicy pedindo providências, mas não obteve resposta. "As calçadas de São Paulo estão todas esburacadas, o que impede o idoso de se exercitar caminhando ou de visitar amigos e familiares."
Mario Amato ressaltou a atividade permanente como elemento fundamental para a manutenção da saúde. "O problema é justamente a memória, que começa a falhar. Às vezes esqueço o significado de uma palavra em inglês, vou ver no dicionário e quando abro o livro esqueci a palavra", afirmou, provocando risos.
De qualquer maneira, lembrou muito bem de seu passado de atleta e fez questão de corrigir Ecléa Bosi: "O Meneghetti roubava dos ricos, mas não dava para os pobres, não. Ficava com o dinheiro".
Referindo-se à sua área de atuação, a indústria, Amato lembrou que o grupo Matarazzo era, então, uma potência. "Hoje, nem existe mais. Por isso que digo que é preciso evoluir, é preciso empreender alguma coisa, porque não se pode simplesmente envelhecer aos 60 anos. Às vésperas da morte, posso dizer que tenho saudade da minha vida", afirmou.
Os termos usados para dividir a população entre "jovens" e "velhos" nada mais são do que adjetivos discriminatórios, para o geriatra Wilson Jacob Filho.
Para o médico, o processo de envelhecimento em si não causa nenhuma limitação. "Se há uma disfunção, se há a perda de alguma capacidade física num curto espaço de tempo, isso não é envelhecimento, isso é doença. Uma doença que, na quase totalidade dos casos, é mal avaliada, mal diagnosticada e mal tratada e que termina atribuída à velhice."
Apesar de reconhecer que a cidade de São Paulo impõe obstáculos aos idosos, Jacob Filho acredita que "nunca houve tanta possibilita de envelhecer como hoje".
"Os números do IBGE comprovam como aumentou a expectativa de vida. Cabe portanto à sociedade, à família lutar para que o bem-estar dessa vida mais longa possa ser maior, tornar o ambiente mais compatível com a mudança populacional da qual seremos protagonistas privilegiados."


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