São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2010

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ANÁLISE

Leis criadas sob forte comoção social acabam em fracasso

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Pacotes de segurança são suspeitos. Em geral, eles configuram um caso de legislação por impulso, na esteira de um acontecimento que mobilizou as atenções -e emoções- da sociedade.
Não é impossível que boas propostas surjam nessas condições, mas é raro. O mais comum é que normas criadas sob forte impacto emocional mais cedo ou mais tarde frustrem as expectativas, resultando em fracasso.
Leis são um negócio complicado. Uma legislação penal moderna precisa desempenhar simultaneamente múltiplas funções, nem sempre harmônicas entre si.
O propósito mais óbvio de uma sanção é a manutenção da ordem pública. O paradigma é que o criminoso deve ser punido para ele próprio não voltar a delinquir e também para desencorajar outras pessoas de imitá-lo.
Desde que essa concepção mais utilitarista de justiça foi se cristalizando no Ocidente, a partir do século 19, as penas puderam ser abrandadas. Pouco a pouco, punições "exemplares" como a forca foram desaparecendo.
O problema com essa noção mais iluminista é que, embora dê conta dos aspectos criminológicos, deixa de contemplar outro ponto importante: a coesão social.
Até somos intelectualmente capazes de perceber a adequação dos sistemas penais de base utilitarista, mas eles falam muito pouco a nossas emoções, quando não as contradizem explicitamente.
Assim, em momentos de comoção, a sensação que se tem é a de que a aplicação da lei gera injustiça. Tudo o que não seja aplicar ao criminoso o mesmo sofrimento que ele infligiu a sua vítima parece barato demais.
Nessas horas, população e parlamentares mobilizam-se para aprovar leis cujo resultado principal é quebrar o equilíbrio que idealmente existia no sistema.
Um bom exemplo é a Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90). Ela é um índice dos delitos que tiveram grande exposição na mídia ao longo dos últimos anos. Coloca em pé de igualdade o genocídio e delitos que, embora graves, não resultam em morte, como o estupro.
Se, de um lado, o compromisso maior de um sistema legal é evitar que pessoas incorram em condutas definidas como antissociais, de outro, dar satisfações à sociedade em instantes de grande conturbação é uma tarefa à qual não pode se furtar. Conciliar as duas tarefas é encontrar a quadratura do círculo.


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