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DANUZA LEÃO
Os novos não-fumantes
A TV mostrou um resistente, dizendo que vai continuar
a fumar, e mais: que não vai pagar multa nenhuma
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PARIS 1º/JANEIRO - Podem os
oceanos inundar os continentes, podem as geleiras derreter, na França inteira, hoje, só existe
um assunto, um único assunto: a
proibição de fumar nos restaurantes, cafés, discotecas, em qualquer
lugar público fechado. Na televisão
não se fala de outra coisa, e vários
jornais estamparam em manchete: é
proibido fumar.
Franceses são grandes fumantes;
alguns são tolerantes, dizem que a
lei é a lei, mas a grande maioria é
contra. Sobretudo os proprietários
dos cafés, que sabem que seus clientes, que pedem uma bebida ou um
simples café, lendo um jornal, têm o
hábito -para não dizer o vício- de
passar horas sentados, olhando o
mundo passar; e fumando, é claro.
As multas são altas: 78 euros (cerca de R$ 200) para os desobedientes,
150 euros (quase R$ 400) para os
donos dos estabelecimentos e
750 euros (R$ 1.800) para os que facilitarem a vida dos fumantes, deixando cinzeiros sobre as mesas, por
exemplo. Mas existem os revoltados; a televisão mostrou um resistente, dizendo que vai continuar a
fumar, e mais: que não vai pagar
multa nenhuma, e pronto. Um francês mal humorado consegue ser
mais mal humorado do que qualquer raça mal humorada do mundo.
As autoridades foram gentis; no
primeiro dia do ano ainda foi tolerado o fumo em lugares públicos, mas,
apesar da gentileza, um café ao lado
do meu hotel estampou um cartaz,
escrito à mão, dizendo: "fumem cada vez mais". Só um francês para ser
tão provocador.
Mas há uma certa dúvida na alma
de todos; a lei vai ou não pegar? A
brigada contra o tabaco se mobilizou, e a maior parte dos anúncios na
TV é de adesivos, chicletes e comprimidos para tirar a vontade de fumar.
À meia-noite de terça-feira os últimos cigarros foram apagados, e o clima era dos condenados à morte fumando seu último cigarro.
Paris 2/janeiro - Passei o dia percorrendo os cafés de Paris. O ambiente era curioso; nenhum cinzeiro
nas mesas, e o assunto continuava
um só: a proibição de fumar (e os fumantes todos falando mal de Sarkozy). Alguns punham um maço de
cigarros e um cinzeiro na mesa, só
para implicar, mas os não-fumantes
ficavam de olho, e quando um dos
revoltados tentou acender o cigarro,
foram eles os primeiros a reclamar.
A sorte é que, com a temperatura
amena -4C-, as calçadas estão
cheias de mesinhas onde as pessoas
têm liberdade para fumar (ainda). E
alguns anúncios de apartamentos e
studios para alugar já especificam:
não aceitam fumantes.
A França está começando a mudar, e pequenas coisas vão modificar
a vida das pessoas. Todos os colégios
do país davam um dia por semana de
descanso, às quartas-feiras. Agora
vai ser diferente: como todo o resto
do mundo, a folga será no sábado, o
que vai permitir que as famílias passem o fim de semana inteiro juntas,
o que pode não parecer, mas será
uma revolução nos hábitos.
Agora, uma curiosidade minha:
como é que um presidente da República começa um namoro? Onde
eles vão, num primeiro encontro?
Como ele cortejou a moça, convidou
para jantarem juntos? E onde terá
sido, no Elysée? E depois da viagem
que fizeram, se o affair continuar,
como será o próximo encontro? Ela
tem que ficar esperando que ele abra
uma brecha em seus compromissos
para poder vê-la, imagino, mas ela
vai ter que esperar trancada em casa, à disposição? E será que eles passaram juntos a noite do Réveillon?
Escrevo mascando um chiclete,
que remédio. Mas daqui a pouco vou
botar um casaco bem quente e sentar no terraço de um café; adivinha
para quê?
danuza.leao@uol.com.br
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