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PASQUALE CIPRO NETO
Quadrilha
No texto da semana passada ("Danço eu, dança você na dança da solidão"), havia
esta passagem: "Na verdade, já
há quem diga que, com aquela
dança, a deputada já dançou, talvez não neste mandato (ela certamente teria a seu lado inúmeros
deputados-dançarinos, que a
poupariam da guilhotina), mas
provavelmente no próximo".
Pois bem. No momento em que
escrevi essa passagem, veio-me à
mente o poema "Quadrilha", de
Carlos Drummond de Andrade.
O nome do poema é sugestivo, eu
sei, mas não foi pelo que o título
sugere que pensei nessa magnífica obra -na verdade, o texto nada tem que ver com o "lado criminoso" da palavra "quadrilha". O
poema se refere à dança mesmo,
em que, mal se formam, os pares
se desfazem. Na obra de Drummond, os pares nem se formam.
Foi pela estrutura do poema
que pensei nele. Não custa relembrá-lo: "João amava Teresa que
amava Raimundo / que amava
Maria que amava Joaquim que
amava Lili / que não amava ninguém. / João foi para os Estados
Unidos, Teresa para o convento, /
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia, / Joaquim
suicidou-se e Lili casou com J.
Pinto Fernandes / que não tinha
entrado na história".
Diferentemente do que sugeria
uma infeliz paródia do poema
usada em uma publicidade institucional sobre a Aids veiculada
há alguns anos (em que A se deitava com B, que se deitava com C,
que se deitava com D -o resultado dessa promiscuidade era a
Aids), no poema de Drummond
ninguém concretiza o que sente,
ou seja, não se forma nenhum par
-à exceção do composto por Lili
e J. Pinto Fernandes. Convém
lembrar que os demais personagens têm apenas nome. Lili é apelido; J. Pinto Fernandes é o único
que tem sobrenome. O apelido
pode significar a falta de assunção da identidade, dos sentimentos, enquanto o sobrenome de J.
parece indicar que Lili se casou
com ele por interesse.
Pois bem. E qual é a relação da
passagem relativa à deputada-dançarina com o poema de
Drummond? Vamos lá. Eu não
disse que inúmeros deputados-dançarinos a poupariam da degola? Pois é aí que entra o poema
de Drummond. Se trocarmos o
verbo ("amar" por "salvar" ou
"poupar"), alternarmos a voz em
que ele será flexionado (na ativa e
na passiva) e fizermos alguns
ajustes no tempo das flexões, teremos mais ou menos isto: "Professor Luizinho e Roberto Brant foram salvos por João Magno e Ângela que salvarão João Paulo e a
própria Ângela que...". Xi! Misturei tudo! Meti os pés pelas mãos! O
que não havia no poema de
Drummond (a promiscuidade e a
falta de reciprocidade) parece
abundar na dança do Congresso.
A intersecção está apenas em agir
por interesse. O grande Drummond que me perdoe, mas isso é
que é quadrilha!
Por fim, convém explicar a
questão da voz verbal: com a passiva ("Prof. Luizinho e R. Brant
foram salvos por..."), salientam-se
os beneficiários do processo expresso pelo verbo, ou seja, Prof.
Luizinho e R. Brant; com a ativa
("que salvarão João Paulo e a
própria Ângela"), salienta-se o
agente do processo expresso pelo
verbo (o pronome relativo "que",
que recupera "Magno" e "Ângela"). Como se vê, não se trata de
uma quadrilha, digo, de um quadrado, mas de um círculo. Vicioso. E viva Drummond! É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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