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DIREITOS HUMANOS
Comissão responsabiliza país por impunidade em caso de marido que deixou mulher paraplégica, há 18 anos
OEA condena Brasil por violência doméstica
GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA
A cearense Maria da Penha
Maia Fernandes, 56, passou os últimos 18 anos lutando, sem sucesso, pela punição de seu ex-marido, a quem acusa de tentar matá-la com um tiro e de tê-la deixado
paraplégica. Ele já foi condenado
pelo crime, ocorrido em 1983,
mas continua em liberdade.
No último dia 30, pela primeira
vez, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, sediada em
Washington, condenou o Brasil
por negligência e omissão em relação à violência doméstica. O caso que ilustrou a atitude do país
em relação aos direitos das mulheres foi o de Maria da Penha.
A comissão faz parte da Organização dos Estados Americanos
(OEA), composta pelos países das
Américas e do Caribe. A entidade
não tem poder para obrigar os
países a acatarem suas decisões,
mas usa canais diplomáticos para
pressionar pelo fim de eventuais
violações aos direitos humanos.
"A condenação do país é uma
sanção de caráter moral, que
constrange internacionalmente o
Estado violador", afirma Silvia Pimentel, coordenadora, em São
Paulo, do Comitê Latino-Americano pela Defesa do Direito das
Mulheres (Cladem).
Além de recomendar que o país
pague a Maria da Penha uma indenização ainda não definida, a
comissão exige que o Brasil cumpra de forma "rápida e eficiente os
procedimentos criminais" contra
seu ex-marido, o economista
Marco Antônio Heredia Viveiros.
O valor da indenização será definido entre o governo brasileiro e
o Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (Cejil), representante legal de Maria da Penha perante a OEA.
A decisão de ressarci-la depende da vontade política do governo
federal. Mas, como a negociação
entre as duas partes é monitorada
pela comissão, a pressão é forte.
O relatório final afirma que o
Estado brasileiro é omisso em relação à violência doméstica: "Trata-se de uma tolerância de todo o
sistema que (...) alimenta a violência contra a mulher (...), não havendo evidência socialmente percebida da vontade do Estado, como representante da sociedade,
para punir esses atos".
"É muito comum ouvirmos homens acusados de maltratar a
mulher dizerem: não tem juiz que
me diga o que fazer dentro de casa", afirma Graziela Acqua Viva
Pavez, do Núcleo de Violência e
Justiça da Pontifícia Universidade
de São Paulo.
Tratados
A comissão acusa o país de ter
descumprido dois tratados internacionais dos quais é signatário: a
Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra Mulher, conhecida como Convenção
de Belém, aprovada em 1993.
Os dois acordos garantem às
mulheres vítimas de violência doméstica amplo direito de defesa.
Os acusados de cometer o delito
devem ser alvo de investigação
policial rigorosa. Comprovada a
culpa, precisam ser punidos.
Passados 18 anos do crime, Heredia Viveiros não foi efetivamente punido, apesar de ter sido condenado pela Justiça do Ceará.
No dia 4 de maio de 1991, oito
anos depois de tentar matar a mulher, ele foi sentenciado a 15 anos
de prisão (dos quais só cumpriria
10, em razão de não ter antecedentes criminais).
Mas, alegando erros processuais, a defesa conseguiu anular a
sentença. Ele foi condenado em
um novo julgamento em 1996,
mas recorreu e está em liberdade.
Em dois anos, o crime de Heredia
Viveiros prescreverá.
"O Brasil não garantiu um processo justo contra o agressor em
um prazo razoável", afirma a sentença da comissão.
A denúncia de Maria da Penha
chegou à comissão em 1988, pelas
mãos do Cejil e do Cladem.
Durante os 13 anos em que o organismo da OEA analisou a denúncia, foram enviadas três solicitações oficiais de esclarecimentos ao governo brasileiro.
Depois de fazer o primeiro pedido de informação, no dia 19 de
outubro de 1998, a comissão
aguardou 250 dias por uma manifestação da diplomacia brasileira
antes de decidir dar prosseguimento ao processo.
As repartições federais nunca
prestaram esclarecimento sobre o
caso Maria da Penha. Cumprindo
as normas das convenções internacionais de direitos humanos, a
comissão acatou como verdadeira a denúncia feita pelas duas organizações não-governamentais e
condenou o Brasil.
Outro lado
O Ministério da Justiça recebeu
o relatório da OEA na última sexta-feira e informou que ainda não
há posição oficial sobre o caso. De
acordo com o ministério, as recomendações serão examinadas e o
governo Fernando Henrique vai
analisar como poderá atendê-las.
A Folha não conseguiu localizar
o economista Heredia Viveiros,
que se mudou de Fortaleza, onde
viveu com Maria da Penha.
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