São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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MINHA HISTÓRIA OSMAR PEREIRA, 50

"Fui sequestrado por engano na África"

Já tinha feito algumas viagens de negócios parecidas, mas pouco depois de chegar me renderam com uma pistola

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BELÉM

Moro no Pará há 21 anos, para onde vim para trabalhar na indústria madereira, mas sou do interior de São Paulo.
Já cheguei a ter minha própria empresa. Hoje sou funcionário da Terra Industrial, que é de Belém (PA) e faz negócios no mundo todo.
Recentemente, tínhamos 11 mil portas de mogno para vender e começamos a negociar com gente da África. Uma empresa de construção civil com escritório na África do Sul estava interessada.
A pessoa que conversava comigo entendia do assunto. Parecia que era idônea.
Para fechar negócio, combinei encontro em Johannesburgo e, de lá, partiríamos para a Namíbia, onde as portas estão armazenadas.
Eu estava tranquilo. Já tinha feito viagens muito parecidas. Sempre fiz bons negócios, conheço todos os continentes, menos a Antártida.
Quando cheguei à África do Sul, fui recebido por dois homens de terno. Entramos em um carro caro.
Pouco mais de cinco quilômetros depois, quando íamos para o suposto escritório da empresa, um dos homens me rendeu com uma pistola.

O CATIVEIRO
Fiquei calmo. Fomos para uma casa bem bonita e me levaram para um porão. Tinha três colchões, uma televisão velha e dois ferros elétricos.
Depois de me deixarem só de cueca, amarraram minhas mãos com um fio de telefone e disseram que era sequestro.
Meia hora depois chegou o chefe. Ele me perguntou se eu sabia por que estava lá. E ele me disse: "Não queremos comprar nada. Queremos dinheiro da empresa: US$ 1 milhão [R$ 1,8 milhão]".
Falei que não tinha. Mas ele retrucou. Disse que não era o dono da empresa, mas ele não acreditou.
Me confundiram. Meu nome é Osmar Pereira. O dono da empresa é Osmar Alves Ferreira. Tentei explicar, mas acharam que era mentira.
"Vou mostrar que eu não estou brincando", me disse o chefe, e mandou ligar o ferro.
Seguraram minhas pernas, meus ombros, enfiaram um pano na minha boca, passaram uma fita para eu não gritar e me queimaram.
É uma dor terrível, muito cruel. Não dói quando se está passando roupa e queima uma dedo? Pois é. Eles usaram o ferro todo -no meu peito, na barriga.
Nessas situações, você começa a procurar uma saída. Pedi para dar um telefonema para a empresa. O chefe me disse para mentir e pedir o dinheiro como se fosse para um negócio normal.
A primeira coisa que eu falei foi: "Isso aqui é um sequestro, e vai ter um pedido de resgate". Eu arrisquei a minha vida, porque alguém do grupo poderia falar português e me entender.
Mas não entenderam. Eu inventei que precisávamos formalizar essa mentira da negociação, e fizemos então um contrato, que eu mandei por e-mail para a empresa.


Eu e minha família somos muito católicos. De noite, sendo vigiado por dois dos cinco homens que estavam no porão, visualizei o crucifixo da minha casa e pedi ajuda a Deus. Não dormi.
Na manhã, a única resposta para ao meu e-mail era uma mensagem dizendo "O que eu faço?", de um funcionário da empresa.
Lá pelas 9h, o chefe decidiu me queimar de novo. Foi ainda pior, mas eu não sentia medo. Descobri um lado meu que não conhecia. Mesmo durante a tortura, eu me contorcia, mas não chorava.
Para ganhar tempo, mandei de novo o e-mail e mandei a empresa fazer uma ordem de transferência bancária falsa. Se no dia seguinte não achassem o comprovante no banco, eu já era.
Lá pelas 2h da madrugada, silêncio, frio, ouvi um estrondo forte lá fora. Era a polícia. O chefe me desamarrou, me vestiu e falou: "Você vai dizer que é um grande amigo meu, que está me visitando". Eu concordei.
Quando eu vi, caiu a porta do cativeiro e apareceu uma mira laser vermelha no escuro. O policial mandou todo mundo se abaixar e perguntou se tinha um brasileiro ali, e eu falei que sim.
Só daí eu comecei a chorar, 15 minutos sem parar.


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