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MINHA HISTÓRIA OSMAR PEREIRA, 50
"Fui sequestrado por engano na África"
Já tinha feito algumas viagens de negócios parecidas, mas pouco depois de chegar me renderam com uma pistola
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BELÉM
Moro no Pará há 21 anos,
para onde vim para trabalhar
na indústria madereira, mas
sou do interior de São Paulo.
Já cheguei a ter minha própria empresa. Hoje sou funcionário da Terra Industrial,
que é de Belém (PA) e faz negócios no mundo todo.
Recentemente, tínhamos
11 mil portas de mogno para
vender e começamos a negociar com gente da África.
Uma empresa de construção
civil com escritório na África
do Sul estava interessada.
A pessoa que conversava
comigo entendia do assunto.
Parecia que era idônea.
Para fechar negócio, combinei encontro em Johannesburgo e, de lá, partiríamos
para a Namíbia, onde as portas estão armazenadas.
Eu estava tranquilo. Já tinha feito viagens muito parecidas. Sempre fiz bons negócios, conheço todos os continentes, menos a Antártida.
Quando cheguei à África
do Sul, fui recebido por dois
homens de terno. Entramos
em um carro caro.
Pouco mais de cinco quilômetros depois, quando íamos para o suposto escritório
da empresa, um dos homens
me rendeu com uma pistola.
O CATIVEIRO
Fiquei calmo. Fomos para
uma casa bem bonita e me levaram para um porão. Tinha
três colchões, uma televisão
velha e dois ferros elétricos.
Depois de me deixarem só
de cueca, amarraram minhas
mãos com um fio de telefone
e disseram que era sequestro.
Meia hora depois chegou o
chefe. Ele me perguntou se
eu sabia por que estava lá. E
ele me disse: "Não queremos
comprar nada. Queremos dinheiro da empresa: US$ 1 milhão [R$ 1,8 milhão]".
Falei que não tinha. Mas
ele retrucou. Disse que não
era o dono da empresa, mas
ele não acreditou.
Me confundiram. Meu nome é Osmar Pereira. O dono
da empresa é Osmar Alves
Ferreira. Tentei explicar, mas
acharam que era mentira.
"Vou mostrar que eu não
estou brincando", me disse o
chefe, e mandou ligar o ferro.
Seguraram minhas pernas, meus ombros, enfiaram
um pano na minha boca,
passaram uma fita para eu
não gritar e me queimaram.
É uma dor terrível, muito
cruel. Não dói quando se está
passando roupa e queima
uma dedo? Pois é. Eles usaram o ferro todo -no meu
peito, na barriga.
Nessas situações, você começa a procurar uma saída.
Pedi para dar um telefonema
para a empresa. O chefe me
disse para mentir e pedir o dinheiro como se fosse para
um negócio normal.
A primeira coisa que eu falei foi: "Isso aqui é um sequestro, e vai ter um pedido
de resgate". Eu arrisquei a
minha vida, porque alguém
do grupo poderia falar português e me entender.
Mas não entenderam. Eu
inventei que precisávamos
formalizar essa mentira da
negociação, e fizemos então
um contrato, que eu mandei
por e-mail para a empresa.
FÉ
Eu e minha família somos
muito católicos. De noite,
sendo vigiado por dois dos
cinco homens que estavam
no porão, visualizei o crucifixo da minha casa e pedi ajuda a Deus. Não dormi.
Na manhã, a única resposta para ao meu e-mail era
uma mensagem dizendo "O
que eu faço?", de um funcionário da empresa.
Lá pelas 9h, o chefe decidiu me queimar de novo. Foi
ainda pior, mas eu não sentia
medo. Descobri um lado meu
que não conhecia. Mesmo
durante a tortura, eu me contorcia, mas não chorava.
Para ganhar tempo, mandei de novo o e-mail e mandei a empresa fazer uma ordem de transferência bancária falsa. Se no dia seguinte
não achassem o comprovante no banco, eu já era.
Lá pelas 2h da madrugada,
silêncio, frio, ouvi um estrondo forte lá fora. Era a polícia.
O chefe me desamarrou, me
vestiu e falou: "Você vai dizer
que é um grande amigo meu,
que está me visitando". Eu
concordei.
Quando eu vi, caiu a porta
do cativeiro e apareceu uma
mira laser vermelha no escuro. O policial mandou todo
mundo se abaixar e perguntou se tinha um brasileiro ali,
e eu falei que sim.
Só daí eu comecei a chorar, 15 minutos sem parar.
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