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VIDA SEXUAL
Em congresso sobre impotência, mulheres acusam laboratórios de "criar" disfunção feminina para ampliar mercado
"Medicalização do sexo" é alvo de julgamento em Paris
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
As mulheres têm problemas sexuais de fato ou tudo não passa de
uma construção de marketing da
indústria farmacêutica? O que poderia parecer provocação de feminista foi, na verdade, tema de
um debate quase solene -mas
caloroso- dentro do 2º Consenso Internacional sobre Disfunção
Erétil e Sexual realizado na semana passada, em Paris.
O consenso, que reuniu em 16
grupos especialistas de 29 países,
tem a função de estabelecer as
condutas que devem ser adotadas
pelos médicos na área da impotência nos próximos anos.
O encontro de Paris acontece
cinco anos depois do lançamento
do Viagra e coincide com a entrada no mercado de duas novas
drogas para disfunção erétil, o Levitra e o Cialis.
Os folhetos e o palco para o debate tinham a cor rosa. O encontro foi promovido pela organização do consenso internacional e
teve o "apoio educacional" da Pfizer nessa espécie de "julgamento
fictício" sobre a "medicalização
do sexo", no qual os laboratórios
eram os suspeitos.
"Criando" disfunção
Embora as três drogas disponíveis possam aumentar a irrigação
na mulher, facilitando a lubrificação, nenhum dos laboratórios
tem ainda pesquisa conclusiva sobre o assunto nem prega oficialmente seu uso pelas mulheres.
Não oficialmente, no entanto, há
médicos receitando o medicamento para suas pacientes com
alguma disfunção sexual.
O debate de Paris foi dividido
em dois grupos. De um lado, duas
mulheres acusando os laboratórios de estarem "criando" a disfunção sexual feminina; de outro,
um casal afirmando que tal atitude significa negar um problema
que existe, discriminando a própria mulher e sua saúde.
O cardiologista Graham Jackson, editor do International Journal of Clinical Practice, afirmou
que cerca de 40% das mulheres,
de acordo com várias pesquisas,
têm alguma disfunção sexual, taxa superior à de qualquer outra
patologia.
"A sexoterapia já tem uma longa história, e a disfunção sexual na
mulher existe muito antes que os
laboratórios se envolvam nessa
questão", disse.
Alessandra Graziottin, diretora
do Centro Ginecológico e Sexualidade Médica do Hospital San Raffaele Resnati, em Milão, disse que
os dois sexos têm mecanismos semelhantes, o que desmontaria a
tese de que no homem a questão é
biológica e na mulher, psicológica. "Negar à mulher a possibilidade de pesquisa e tratamento é aumentar a discriminação de gênero", afirmou Graziottin.
"Biomedicalização"
Amy Allina, da organização
não-governamental Rede Nacional para a Saúde da Mulher, com
sede em Washington, disse que a
disfunção sexual feminina existe,
mas que os médicos a vêem e a
tratam de "forma estreita", "biomedicalizando" o olhar.
"A indústria ignora a mulher e,
enquanto seus lucros com drogas
para o sexo aumentam, a agenda
de pesquisa diminui. Os investimentos públicos, que incluem
pesquisas e educação sexual, estão ameaçados no Congresso
americano."
Allina lembrou a terapia de reposição hormonal que, prescrita
pela maioria dos médicos e propagada pela indústria, agora se revela uma ameaça para as mulheres. "Os laboratórios gastam por
ano US$ 16 bilhões para influenciar os médicos, em todos os produtos e programas", diz Allina.
Ela e sua parceira no debate,
Leonore Tiefer, da escola de medicina da Universidade de Nova
York, defendem como solução
uma medicina baseada em evidências, educação sexual nas escolas médicas, pesquisas em saúde sexual e reprodutiva e um melhor entendimento das questões
de gênero no mundo todo.
Autora de vários livros que tratam da "medicalização" do sexo,
Leonore Tiefer lançou, em 2000, a
campanha Por uma Nova Visão
sobre os Problemas Sexuais da
Mulher. Sua proposta, agora, é
"alertar as mulheres do mundo
todo para os perigos da "medicalização" do sexo".
"Médicos e laboratórios limitam-se a falar de como funciona o
sexo, sem levar em consideração
qual situação a mulher está vivendo, qual seu contexto socioeconômico, cultural e religioso. A intenção é criar mais insegurança e
com isso vender mais drogas",
afirma ela.
Na sua pregação, Leonore Tiefer
(veja na internet a página
www.fsd-alert.org) conclama as
mulheres e organizações feministas a buscarem informações em
fontes não-comerciais e independentes. E a não substituírem a informação e o conforto sexual por
comprimidos.
A psiquiatra Carmita Abdo, do
Prosex do Hospital das Clínicas e
que participou do consenso de
Paris, disse que as novas drogas
para disfunção erétil estão permitindo um número de pesquisas e
um debate sobre sexualidade que
nunca se teve antes na história.
Para a psiquiatra, é fundamental
que o sexo seja tratado com a participação do parceiro e da parceira. E que o tratamento seja multidisciplinar, com psicoterapia e a
ajuda das drogas.
O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite dos laboratórios Bayer-GSK
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