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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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VIDA SEXUAL

Em congresso sobre impotência, mulheres acusam laboratórios de "criar" disfunção feminina para ampliar mercado

"Medicalização do sexo" é alvo de julgamento em Paris

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

As mulheres têm problemas sexuais de fato ou tudo não passa de uma construção de marketing da indústria farmacêutica? O que poderia parecer provocação de feminista foi, na verdade, tema de um debate quase solene -mas caloroso- dentro do 2º Consenso Internacional sobre Disfunção Erétil e Sexual realizado na semana passada, em Paris.
O consenso, que reuniu em 16 grupos especialistas de 29 países, tem a função de estabelecer as condutas que devem ser adotadas pelos médicos na área da impotência nos próximos anos.
O encontro de Paris acontece cinco anos depois do lançamento do Viagra e coincide com a entrada no mercado de duas novas drogas para disfunção erétil, o Levitra e o Cialis.
Os folhetos e o palco para o debate tinham a cor rosa. O encontro foi promovido pela organização do consenso internacional e teve o "apoio educacional" da Pfizer nessa espécie de "julgamento fictício" sobre a "medicalização do sexo", no qual os laboratórios eram os suspeitos.

"Criando" disfunção
Embora as três drogas disponíveis possam aumentar a irrigação na mulher, facilitando a lubrificação, nenhum dos laboratórios tem ainda pesquisa conclusiva sobre o assunto nem prega oficialmente seu uso pelas mulheres. Não oficialmente, no entanto, há médicos receitando o medicamento para suas pacientes com alguma disfunção sexual.
O debate de Paris foi dividido em dois grupos. De um lado, duas mulheres acusando os laboratórios de estarem "criando" a disfunção sexual feminina; de outro, um casal afirmando que tal atitude significa negar um problema que existe, discriminando a própria mulher e sua saúde.
O cardiologista Graham Jackson, editor do International Journal of Clinical Practice, afirmou que cerca de 40% das mulheres, de acordo com várias pesquisas, têm alguma disfunção sexual, taxa superior à de qualquer outra patologia.
"A sexoterapia já tem uma longa história, e a disfunção sexual na mulher existe muito antes que os laboratórios se envolvam nessa questão", disse.
Alessandra Graziottin, diretora do Centro Ginecológico e Sexualidade Médica do Hospital San Raffaele Resnati, em Milão, disse que os dois sexos têm mecanismos semelhantes, o que desmontaria a tese de que no homem a questão é biológica e na mulher, psicológica. "Negar à mulher a possibilidade de pesquisa e tratamento é aumentar a discriminação de gênero", afirmou Graziottin.

"Biomedicalização"
Amy Allina, da organização não-governamental Rede Nacional para a Saúde da Mulher, com sede em Washington, disse que a disfunção sexual feminina existe, mas que os médicos a vêem e a tratam de "forma estreita", "biomedicalizando" o olhar.
"A indústria ignora a mulher e, enquanto seus lucros com drogas para o sexo aumentam, a agenda de pesquisa diminui. Os investimentos públicos, que incluem pesquisas e educação sexual, estão ameaçados no Congresso americano."
Allina lembrou a terapia de reposição hormonal que, prescrita pela maioria dos médicos e propagada pela indústria, agora se revela uma ameaça para as mulheres. "Os laboratórios gastam por ano US$ 16 bilhões para influenciar os médicos, em todos os produtos e programas", diz Allina.
Ela e sua parceira no debate, Leonore Tiefer, da escola de medicina da Universidade de Nova York, defendem como solução uma medicina baseada em evidências, educação sexual nas escolas médicas, pesquisas em saúde sexual e reprodutiva e um melhor entendimento das questões de gênero no mundo todo.
Autora de vários livros que tratam da "medicalização" do sexo, Leonore Tiefer lançou, em 2000, a campanha Por uma Nova Visão sobre os Problemas Sexuais da Mulher. Sua proposta, agora, é "alertar as mulheres do mundo todo para os perigos da "medicalização" do sexo".
"Médicos e laboratórios limitam-se a falar de como funciona o sexo, sem levar em consideração qual situação a mulher está vivendo, qual seu contexto socioeconômico, cultural e religioso. A intenção é criar mais insegurança e com isso vender mais drogas", afirma ela.
Na sua pregação, Leonore Tiefer (veja na internet a página www.fsd-alert.org) conclama as mulheres e organizações feministas a buscarem informações em fontes não-comerciais e independentes. E a não substituírem a informação e o conforto sexual por comprimidos.
A psiquiatra Carmita Abdo, do Prosex do Hospital das Clínicas e que participou do consenso de Paris, disse que as novas drogas para disfunção erétil estão permitindo um número de pesquisas e um debate sobre sexualidade que nunca se teve antes na história. Para a psiquiatra, é fundamental que o sexo seja tratado com a participação do parceiro e da parceira. E que o tratamento seja multidisciplinar, com psicoterapia e a ajuda das drogas.


O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite dos laboratórios Bayer-GSK


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