UOL


São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HABITAÇÃO

Grupo viajará à África do Sul nesta semana, a convite da entidade, para apresentar experiências de organização popular

Para ONU, SP tem favela tipo exportação

ALENCAR IZIDORO
CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um equipe paulistana viajará nesta semana à África do Sul para apresentar experiências de organização popular e de urbanização de favelas que reverteram a imagem de "precariedade" desse tipo de moradia em São Paulo.
A idéia do barraco de madeira com piso de terra, cobertura de papelão e sem infra-estrutura está distante de ser hoje a "cara" da favela paulistana -que concentra 1,16 milhão de habitantes, segundo estudo da prefeitura e do Centro de Estudos da Metrópole.
O que se viu nas últimas décadas foi a substituição maciça das habitações frágeis por casas de alvenaria, com tijolos e laje, em vias asfaltadas e cujos moradores organizados já estão prestes a obter os certificados de propriedade.
As características das moradias populares paulistanas chamaram a atenção de uma força-tarefa da ONU (Organização das Nações Unidas) que visitou São Paulo em abril deste ano e que convidou representantes da prefeitura e duas líderes comunitárias, uma da periferia e outra da área central, para falar no exterior sobre suas experiências na capital paulista.
A escolha de duas mulheres, e não homens, foi intencional, devido à presença do sexo feminino nos movimentos de habitação. A intenção da força-tarefa é melhorar até 2020 as condições de vida de 100 milhões do total de 924 milhões de favelados em áreas urbanas pobres do mundo inteiro.
Depois de visitar as duas maiores favelas da capital paulista (Heliópolis e Paraisópolis), integrantes da equipe da ONU ficaram surpresos com a mobilização popular e as características das habitações. "A qualidade geral da construção da favela de São Paulo é certamente mais alta do que a média em outras partes do mundo. Há um percentual maior de casas com materiais duráveis, resistentes", afirmou à Folha Pietro Garau, arquiteto italiano que é um dos coordenadores da força-tarefa. "As casas são melhores, mas ainda há elementos que podem faltar, como as condições de saneamento básico", ressalvou.
A ação das comunidades para a melhoria das habitações e os modelos de casas de autoconstrução foram considerados um exemplo pela ONU para ser difundido em outros países.
"O mutirão, além de ser mais barato, é uma forma de deixar os moradores mais orgulhosos de suas casas. É uma excelente alternativa. Há outras regiões do mundo onde as comunidades participam da construção, mas provavelmente os exemplos em São Paulo são os melhores, os mais interessantes", disse Garau.
Dados de 2001 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que 98,6% dos domicílios na região metropolitana de São Paulo tinham paredes de alvenaria e 99,5%, coberturas de telha ou laje de concreto.
Estatísticas dos anos 90 também apontavam que mais de dois terços das favelas paulistanas já tinham essas estruturas construtivas. A presença de água encanada nelas subiu de 15% para mais de 90% da década de 80 para a de 90.

Mudança
Pedro Taddei Neto, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universidade de São Paulo, diz que a mudança nas características construtivas das favelas no Brasil começou no final dos anos 70. Ele explica que essa foi uma forma de tirar das favelas um caráter de habitação provisória. "As casas mais rígidas facilitam as ampliações. Mas ainda há faces terríveis das favelas."
A evolução nas condições de habitação coincidiu com a pressão e a organização popular, que ganharam força na capital paulista na segunda metade dos anos 80 (a União dos Movimentos de Moradia tem hoje a participação de mais de 100 mil pessoas).
O secretário municipal da Habitação, Paulo Teixeira, representante do Brasil na força-tarefa da ONU, destacou a importância dos movimentos organizados na definição de uma política habitacional no município. "Estamos atuando em bloco para a conquista da cidadania", afirmou.
Teixeira, que será líder do grupo que visitará Durban e Johannesburgo, na África do Sul, diz que a prefeitura deverá ressaltar no exterior seu programa de urbanização de favelas -com a transformação das áreas em bairros, abrindo ruas, colocando asfalto, redes de água e de esgoto.
Na opinião de especialistas, essas melhorias são importantes, mas não bastam: é preciso integrar a favela à vida da cidade.
Uma análise de programas de urbanização realizados em cinco cidades brasileiras -Diadema, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo-, desenvolvida pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab), da FAU da USP, identificou alguns problemas. A secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, que participou da pesquisa, disse que uma das deficiências constatadas foi que as áreas eram abandonadas pelo poder público após a urbanização.
"A prefeitura não faz a manutenção na favela como faz no resto da cidade." Como exemplo ela cita a falta de varrição de ruas nessas áreas. "No restante da cidade, quando alguém joga lixo pela janela do carro há um serviço para limpar; na favela, isso não existe."
Segundo Maricato, é essa ausência do Estado que acaba gerando um poder paralelo, muitas vezes ocupado por traficantes.


Texto Anterior: Criador do "esquino" quer motovia
Próximo Texto: Prefeitura deu início a Heliópolis
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.