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HABITAÇÃO
Grupo viajará à África do Sul nesta semana, a convite da entidade, para apresentar experiências de organização popular
Para ONU, SP tem favela tipo exportação
ALENCAR IZIDORO
CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um equipe paulistana viajará
nesta semana à África do Sul para
apresentar experiências de organização popular e de urbanização
de favelas que reverteram a imagem de "precariedade" desse tipo
de moradia em São Paulo.
A idéia do barraco de madeira
com piso de terra, cobertura de
papelão e sem infra-estrutura está
distante de ser hoje a "cara" da favela paulistana -que concentra
1,16 milhão de habitantes, segundo estudo da prefeitura e do Centro de Estudos da Metrópole.
O que se viu nas últimas décadas foi a substituição maciça das
habitações frágeis por casas de alvenaria, com tijolos e laje, em vias
asfaltadas e cujos moradores organizados já estão prestes a obter
os certificados de propriedade.
As características das moradias
populares paulistanas chamaram
a atenção de uma força-tarefa da
ONU (Organização das Nações
Unidas) que visitou São Paulo em
abril deste ano e que convidou representantes da prefeitura e duas
líderes comunitárias, uma da periferia e outra da área central, para
falar no exterior sobre suas experiências na capital paulista.
A escolha de duas mulheres, e
não homens, foi intencional, devido à presença do sexo feminino
nos movimentos de habitação. A
intenção da força-tarefa é melhorar até 2020 as condições de vida
de 100 milhões do total de 924 milhões de favelados em áreas urbanas pobres do mundo inteiro.
Depois de visitar as duas maiores favelas da capital paulista (Heliópolis e Paraisópolis), integrantes da equipe da ONU ficaram
surpresos com a mobilização popular e as características das habitações. "A qualidade geral da
construção da favela de São Paulo
é certamente mais alta do que a
média em outras partes do mundo. Há um percentual maior de
casas com materiais duráveis, resistentes", afirmou à Folha Pietro
Garau, arquiteto italiano que é
um dos coordenadores da força-tarefa. "As casas são melhores,
mas ainda há elementos que podem faltar, como as condições de
saneamento básico", ressalvou.
A ação das comunidades para a
melhoria das habitações e os modelos de casas de autoconstrução
foram considerados um exemplo
pela ONU para ser difundido em
outros países.
"O mutirão, além de ser mais
barato, é uma forma de deixar os
moradores mais orgulhosos de
suas casas. É uma excelente alternativa. Há outras regiões do mundo onde as comunidades participam da construção, mas provavelmente os exemplos em São
Paulo são os melhores, os mais interessantes", disse Garau.
Dados de 2001 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que 98,6% dos
domicílios na região metropolitana de São Paulo tinham paredes
de alvenaria e 99,5%, coberturas
de telha ou laje de concreto.
Estatísticas dos anos 90 também
apontavam que mais de dois terços das favelas paulistanas já tinham essas estruturas construtivas. A presença de água encanada
nelas subiu de 15% para mais de
90% da década de 80 para a de 90.
Mudança
Pedro Taddei Neto, professor
da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universidade
de São Paulo, diz que a mudança
nas características construtivas
das favelas no Brasil começou no
final dos anos 70. Ele explica que
essa foi uma forma de tirar das favelas um caráter de habitação
provisória. "As casas mais rígidas
facilitam as ampliações. Mas ainda há faces terríveis das favelas."
A evolução nas condições de habitação coincidiu com a pressão e
a organização popular, que ganharam força na capital paulista
na segunda metade dos anos 80 (a
União dos Movimentos de Moradia tem hoje a participação de
mais de 100 mil pessoas).
O secretário municipal da Habitação, Paulo Teixeira, representante do Brasil na força-tarefa da
ONU, destacou a importância dos
movimentos organizados na definição de uma política habitacional no município. "Estamos
atuando em bloco para a conquista da cidadania", afirmou.
Teixeira, que será líder do grupo
que visitará Durban e Johannesburgo, na África do Sul, diz que a
prefeitura deverá ressaltar no exterior seu programa de urbanização de favelas -com a transformação das áreas em bairros,
abrindo ruas, colocando asfalto,
redes de água e de esgoto.
Na opinião de especialistas, essas melhorias são importantes,
mas não bastam: é preciso integrar a favela à vida da cidade.
Uma análise de programas de
urbanização realizados em cinco
cidades brasileiras -Diadema,
Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro
e São Paulo-, desenvolvida pelo
Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab),
da FAU da USP, identificou alguns problemas. A secretária-executiva do Ministério das Cidades,
Ermínia Maricato, que participou
da pesquisa, disse que uma das
deficiências constatadas foi que as
áreas eram abandonadas pelo poder público após a urbanização.
"A prefeitura não faz a manutenção na favela como faz no resto
da cidade." Como exemplo ela cita a falta de varrição de ruas nessas áreas. "No restante da cidade,
quando alguém joga lixo pela janela do carro há um serviço para
limpar; na favela, isso não existe."
Segundo Maricato, é essa ausência do Estado que acaba gerando um poder paralelo, muitas vezes ocupado por traficantes.
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