São Paulo, terça-feira, 06 de agosto de 2002

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MARILENE FELINTO

Choradeira de elite

Um vexame bem brasileiro: ser comparado à África em certos aspectos de seu desenvolvimento social e econômico. Estive na África recentemente pela primeira vez, vi de perto a catástrofe humana que continua se processando lá, posso medir o grau de rebaixamento e imoralidade que isso implica para a maior nação da América do Sul.
De todos os 116 países avaliados, somente três são piores do que o Brasil em concentração de renda, ou seja, na distância que separa ricos de pobres: são os africanos Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.
Esse dado é recentíssimo, foi divulgado em 23 de julho pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano-2002. Outro dado alarmante: a concentração de renda só fez aumentar nesses quase dez anos de governo Fernando Henrique -governo da elite para a elite, governo de ricos para ricos.
Visto da África, o Brasil tem ares de país pujante, cheio de recursos e riqueza. E se existem 50 milhões de habitantes extremamente pobres aqui (segundo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas) é porque a elite brasileira concentradora de renda deseja que assim seja. Parte dessa elite são as 90 mil pessoas milionárias que vivem aqui, conforme relatório mundial sobre a riqueza publicado este ano. Todas elas possuem US$ 1 milhão ou mais em bens, sem contar imóveis.
Na semana em que se divulgou o relatório do Pnud, o presidente FHC declarou à imprensa que não é possível ocorrer grande mudança na concentração de renda "de um ano para outro", a não ser em situações de tragédias ou em caso de revolução. Mas seu governo está aí há quase dez anos! E não há uma verdadeira revolução em curso, exacerbada de forma aterradora durante seus dois mandatos? Afinal, o que é o crime organizado, o que são o PCC (Primeiro Comando da Capital), o CV (Comando Vermelho), o TC (Terceiro Comando) e seu arsenal de armas e assassinos senão consequência direta e violenta do governo da elite para a elite, do governo dos ricos para os ricos?
A mensagem é esta, forjada nos becos das favelas e nos subterrâneos dos presídios brasileiros: a renda será, sim, distribuída de modo mais equitativo, por bem ou por mal, quer queiram, quer não, na justiça ou na marra, por lei ou a pulso. Agora fica aí esta elite "boazinha", o pessoal do PSDB de FHC, choramingando a queda livre de seu candidato à eleição presidencial, José Serra (mesma queda livre da moeda deles, o real "estável"). Fica aí a choradeira porque até o candidato da elite maligna, Ciro Gomes, ultrapassou Serra.
Ora, a culpa é toda deles. Foi a elite "boazinha" -aquela que se acha boa porque paga um pouquinho mais a seus empregados domésticos e aos peões de suas fazendas- que elegeu o fiasco chamado Collor. É a essa mesma elite que caberá decidir se vai eleger coisa ainda mais perigosa, como a candidatura Ciro Gomes.
Não existe em nenhum outro país -exceto nos africanos Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia- classe dominante de mais sordidez, de mais avareza e exclusivismo que a brasileira. Basta ver como, para as próximas eleições, elas já recrutaram seus membros e coordenam esforços para manter, a qualquer custo, sua posição de privilégios, de dominação e poder perverso.
Um amigo meu me disse que sai do país se Ciro Gomes ganhar a eleição para presidente. Eu também, respondi. Proponho irmos para a Suazilândia, pelo menos eu, lá, como sou descendente da raça, posso ser filha do rei.

E-mail - mfelinto@uol.com.br



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