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MARILENE FELINTO
Choradeira de elite
Um vexame bem brasileiro:
ser comparado à África em
certos aspectos de seu desenvolvimento social e econômico. Estive
na África recentemente pela primeira vez, vi de perto a catástrofe
humana que continua se processando lá, posso medir o grau de
rebaixamento e imoralidade que
isso implica para a maior nação
da América do Sul.
De todos os 116 países avaliados,
somente três são piores do que o
Brasil em concentração de renda,
ou seja, na distância que separa
ricos de pobres: são os africanos
Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.
Esse dado é recentíssimo, foi divulgado em 23 de julho pelo Pnud
(Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento), no Relatório sobre o Desenvolvimento
Humano-2002. Outro dado alarmante: a concentração de renda
só fez aumentar nesses quase dez
anos de governo Fernando Henrique -governo da elite para a elite, governo de ricos para ricos.
Visto da África, o Brasil tem
ares de país pujante, cheio de recursos e riqueza. E se existem 50
milhões de habitantes extremamente pobres aqui (segundo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio
Vargas) é porque a elite brasileira
concentradora de renda deseja
que assim seja. Parte dessa elite
são as 90 mil pessoas milionárias
que vivem aqui, conforme relatório mundial sobre a riqueza publicado este ano. Todas elas possuem US$ 1 milhão ou mais em
bens, sem contar imóveis.
Na semana em que se divulgou
o relatório do Pnud, o presidente
FHC declarou à imprensa que
não é possível ocorrer grande mudança na concentração de renda
"de um ano para outro", a não ser
em situações de tragédias ou em
caso de revolução. Mas seu governo está aí há quase dez anos! E
não há uma verdadeira revolução em curso, exacerbada de forma aterradora durante seus dois
mandatos? Afinal, o que é o crime
organizado, o que são o PCC (Primeiro Comando da Capital), o
CV (Comando Vermelho), o TC
(Terceiro Comando) e seu arsenal
de armas e assassinos senão consequência direta e violenta do governo da elite para a elite, do governo dos ricos para os ricos?
A mensagem é esta, forjada nos
becos das favelas e nos subterrâneos dos presídios brasileiros: a
renda será, sim, distribuída de
modo mais equitativo, por bem
ou por mal, quer queiram, quer
não, na justiça ou na marra, por
lei ou a pulso. Agora fica aí esta
elite "boazinha", o pessoal do
PSDB de FHC, choramingando a
queda livre de seu candidato à
eleição presidencial, José Serra
(mesma queda livre da moeda
deles, o real "estável"). Fica aí a
choradeira porque até o candidato da elite maligna, Ciro Gomes,
ultrapassou Serra.
Ora, a culpa é toda deles. Foi a
elite "boazinha" -aquela que se
acha boa porque paga um pouquinho mais a seus empregados
domésticos e aos peões de suas fazendas- que elegeu o fiasco chamado Collor. É a essa mesma elite
que caberá decidir se vai eleger
coisa ainda mais perigosa, como
a candidatura Ciro Gomes.
Não existe em nenhum outro
país -exceto nos africanos Serra
Leoa, República Centro-Africana
e Suazilândia- classe dominante de mais sordidez, de mais avareza e exclusivismo que a brasileira. Basta ver como, para as próximas eleições, elas já recrutaram
seus membros e coordenam esforços para manter, a qualquer custo, sua posição de privilégios, de
dominação e poder perverso.
Um amigo meu me disse que sai
do país se Ciro Gomes ganhar a
eleição para presidente. Eu também, respondi. Proponho irmos
para a Suazilândia, pelo menos
eu, lá, como sou descendente da
raça, posso ser filha do rei.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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