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DANUZA LEÃO
Anjos do Sol
São levadas para perto de um garimpo, e há um leilão para ver quem serão os primeiros
a ir para a cama com elas
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VOCÊ venderia sua filha de 12
anos para que ela fosse viver
num fim de mundo, como
prostituta (e escrava)? Pois há gente
que faz isso, e mais do que se pensa.
Todos nós lemos nos jornais e vemos matérias na televisão sobre
prostituição infantil, cenas passadas
geralmente em Copacabana ou em
praias do Nordeste. Nos horrorizamos, mas logo passamos para outro
assunto. Mas outro dia vi um filme
-"Anjos do Sol"- que me pegou na
veia. Saí do cinema como se tivesse
levado um soco na barriga e, não
acreditando no que tinha visto, quis
saber se o diretor não havia acrescentado um pouco de ficção à realidade. Não, era tudo verdade; o roteiro se baseou em artigos publicados
na imprensa, e das fontes consultadas destacou-se a série de reportagens de Gilberto Dimenstein publicadas na Folha, que depois virou o
livro "Meninas da Noite". E soube,
pelo próprio Gilberto, que a realidade era ainda pior.
"Anjos do Sol" é a história de
uma menina de 12 anos, Maria, que
vive num vilarejo perdido no interior da Bahia e é vendida por seu
pai; aliás, é a segunda filha vendida.
Maria faz o que seu pai manda: pega sua trouxa e sai de casa, com a
mãe e as irmãs que olham ela indo
embora, sem tentar impedir que
ela vá; sabem que não adianta, é assim mesmo. Ela vai de canoa, até
chegar a uma cidadezinha onde é
colocada numa jaula em um caminhão, com mais seis meninas. Elas
não se olham e não trocam palavra.
São levadas para perto de um garimpo, e no dia em que chegam, há
um leilão para ver quem serão os
primeiros a ir para a cama com as
recém-chegadas -carne nova, como são anunciadas.
No filme inteiro não há um olhar
humano. São todos piores do que
bichos, e é difícil acreditar que
exista gente assim. Mas os créditos
finais informam: estima-se que no
Brasil existam mais de 100 mil menores prostitutas.
O presidente Lula, que disse uma
vez ser o bingo pior do que a prostituição infantil (ah, Lula!), precisava ver esse filme, e não só ele. O
problema existe, não podemos fazer nada a respeito, mas mesmo
não podendo, temos que saber. Se
todos soubermos, talvez um dia isso deixe de acontecer.
O filme não mostra uma só cena
chocante, um só seio de fora, uma
só transa repulsiva. Faz mais, pois
não é preciso imagens para que a
gente "veja" o que está acontecendo naqueles cubículos onde os homens entram um depois do outro,
sem intervalo, para que o faturamento seja maior.
Durante o filme inteiro eu torci
por um final feliz: quando ela tenta
fugir, quando ela chega ao Rio. Afinal, alguma coisa de bom tinha que
acontecer na vida daquela menina
de 12 anos. Mas nada acontece, e
nem assim deixei de torcer.
"Anjos do Sol" não é um filme
baixo astral; é um filme denúncia,
que poderia -e acho que no início
era essa a idéia- ter sido um documentário; idéia que se mostrou inviável pois, entre outros problemas, as meninas, todas menores,
não poderiam ter seus rostos filmados. Mas é tão verdadeiro como
se fosse.
O filme não tem um final feliz,
mas termina com um toque de esperança: é quando Maria toma nas
mãos as rédeas de sua vida, e quando isso acontece, com qualquer
pessoa, passa a haver a possibilidade de um futuro.
"Anjos do Sol" é o "Cidade de
Deus" da prostituição infantil;
aquela vida que a gente pensa que
só existe no jornalismo denúncia,
mas que é real.
Um belíssimo filme.
danuza.leao@uol.com.br
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